Carta de pesquisadores/as brasileiros/as ao Senado Federal contra a perseguição às teorias de gênero
Brasília, 05 Brasília, 05 de março de 2016
Excelentíssimos
senhores senadores e senadoras,
Nós, docentes e pesquisadores/as vinculados/as a
Núcleos de Estudos e Pesquisas de várias universidades brasileiras, entidades,
associações e fóruns acadêmicos viemos, por meio desta, manifestar nossa
radical discordância em relação ao posicionamento público de alguns
parlamentares brasileiros, em suas manifestações diversas de desrespeito em
relação às estratégias de enfrentamento à violência e discriminação, baseadas
em gênero, nas escolas e em outras instituições de nosso país.
Estarrecidos com a decisão recente da Câmara dos
Deputados de excluir a expressão“ perspectiva de gênero” do documento que
orienta as competências do recém criado “Ministério das Mulheres, Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos”, consideramos pertinente nos dirigir a vossas
senhorias. Nossa inquietação reside, sobretudo, no fato de que este Ministério
foi criado justamente para propor políticas públicas que visem coibir as
violações de direitos humanos, entre elas a iniquidade de gênero, ou seja, a
desigualdade de direitos entre homens e mulheres. Retirar a perspectiva de
gênero é ignorar os fundamentos teóricos do debate que embasa a existência
deste Ministério.
A recorrente e sistemática perseguição ao conceito de
gênero, em diferentes instâncias, por alguns nos nossos legisladores revela,
por um lado, absoluta ignorância em relação à produção científica nacional e
internacional e, por outro lado, total irresponsabilidade e descaso em relação
a recorrentes denúncias de violência no contexto da formação escolar, que
resultaram na necessidade de medidas que visam coibir violência material ou
simbólica, neste contexto; processo iniciado no Brasil, desde a década de 1970.
Como
educadores/as, resta-nos evidenciar que:
1) Gênero é teoria, não ideologia
O
campo de estudos de gênero tem mais de meio século de produção e alberga um
conjunto de contribuições disciplinares e interdisciplinares, desenvolvidas
especialmente no campo das Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, reconhecidas
internacionalmente pela comunidade acadêmica como produção científica.
2) Gênero não é plataforma de partido ou
de movimentos sociais específicos é ciência.
Os conceitos que embasam as teorias de gênero não
podem ser atribuídos a um partido ou projeto político específico. Este tipo de
argumento ignora toda a longa história e vasta bibliografia deste campo de
produção científica. Ao mesmo tempo, a promoção da equidade de gênero não
compreende uma agenda apenas do feminismo (de mulheres e homens) ou dos grupos
LGBTI e sim um compromisso do país com conceitos consagrados por esta vasta
produção científica, em diálogo com documentos e sistemas educacionais e com
acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Um desses acordos é o
Plano de Ação da Conferência de Populações e Desenvolvimento da ONU, 1994, do
qual o Brasil é signatário. Desrespeitar acordos internacionais pode gerar
graves constrangimentos diplomáticos, repercutindo diretamente na imagem
positiva do nosso país, em fóruns mundiais.
3) Teorias de gênero têm fundamentado
dispositivos que visam a promoção humanos
O conceito de gênero foi central para a
institucionalização de tratados internacionais importantes e também para
fundamentar legislação nacional relevante, como, por exemplo, a lei Nº
11.340/2006 (conhecida como lei Maria da Penha), que cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e a Lei Nº 13.185/2015,
que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (conhecida como
lei Antibullying), que visa combater “todo ato de violência física ou
psicológica, intencional e repetitivo [...], praticado por indivíduo ou grupo,
contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando
dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as
partes envolvidas” (art. 1º, par. 1º). Aqui se inclui tanto violência física,
como também verbal, moral, sexual, social, psicológica, material ou virtual.
Do mesmo modo, as teorias de gênero fundamentaram a
institucionalização do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos e, portanto, o termo gênero não pode ser arbitrariamente
excluído, tendo por base argumentos insustentáveis do ponto de vista científico.
4)
Ciência, religião e política são campos
distintos
Conhecimentos científicos não podem ser
arbitrariamente reinterpretados por outros campos sociais, na medida em que
partem de princípios, métodos e fins distintos. Além disso, num país laico, como
o Brasil, devemos tanto respeitar toda e qualquer confissão religiosa, como
também garantir que não haja nenhuma interferência, de base religiosa, nas
orientações, ações e documentos públicos, desenvolvidos pelo Estado, em prol do
bem comum.
5) Dados exigem respostas.
Diversas pesquisas científicas têm demonstrado a
urgência de enfrentar as formas diversas de discriminação, dentro e fora da
escola. Por exemplo, pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), intitulada “Preconceito e Discriminação no
Ambiente Escolar”, revela que 96,5% dos/as entrevistados/as têm preconceito com
relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito
étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com
relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. Esta pesquisa
foi desenvolvida com uma amostra representativa de estudantes, pais e mães,
diretores/as, professores/as e funcionários/as em escolas públicas de todo o
país.
Outra pesquisa, coordenada pela socióloga Miriam
Abramovay, com apoio do Ministério da Educação, da Organização dos Estados
Íbero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), intitulada “Juventude nas
Escolas”, informa que a homofobia é um dos principais tipos de preconceito na
escola. Dentre os estudantes, quase 20% (19,3%) afirma não querer homossexuais,
transexuais e travestis como colegas de classe, sendo a rejeição maior naqueles
do ensino médio.
A literatura científica, baseada em pesquisas
empíricas e em leituras históricas e epistemológicas, explicita os problemas
éticos e conceituais da perseguição ao conceito de gênero, nas diferentes
instâncias legislativas. Leis que ignorem a produção de conhecimento científico
chancelam a violência e a discriminação e deslegitimam a cidadania de um enorme
contingente de pessoas.
O
silêncio (ou a omissão) diante desses dados é cúmplice da violência.
Não há uma ideologia de gênero e diversidade sexual, o
que há são estudos de gênero e sobre sexualidade, produzidos a partir de
critérios e procedimentos científicos, amplamente debatidos no universo
acadêmico, na sociedade civil e nas instituições do Estado. Apesar desse campo
de estudos, como, aliás, qualquer outro campo profícuo de conhecimento
científico, nem sempre obter acordos no que diz respeito aos seus conceitos e
resultados, há um consenso fortemente consolidado nas pesquisas no que diz
respeito à presença das violências de gênero e da homofobia não somente nas
escolas e nas universidades, como em toda sociedade, e, diante deste quadro, há
necessidade de respostas urgentes e efetivas; não podemos retroceder.
Neste sentido, solicitamos de Vossas Senhorias que se
manifestem contra qualquer ato que vise a exclusão do termo gênero de políticas
públicas nacionais, afinal são propostas que visam, antes de tudo, à promoção
da igualdade de direitos entre homens e mulheres e contra qualquer forma de
discriminação ou violência.
ASSINAM ESTE DOCUMENTO:
Associação
Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) (Nacional)
REDOR
- Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e
Relações Gênero
Movimento
“Por todas as famílias” (Nacional)
Grupo
de Trabalho “Gênero e Saúde” da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Nacional)
GT
de Estudos de Gênero Nacional da ANPUH (Associação Nacional de História)
(Nacional)
GT
População e Gênero da ABEP - Associação Brasileira de Estudos Populacionais
(Nacional) CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Rio de
Janeiro)
CFEMEA
- Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Brasília)
CIFG
- Centro do Interesse Feminista e de Gênero (UFMG, Belo Horizonte)
CLAM
- Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (UERJ/ IMS, Rio de
Janeiro)
DEGENERA
- Núcleo de Pesquisa e Desconstrução de Gêneros (UERJ, Rio de Janeiro)
DEMODÊ
- Grupo de Estudos sobre Democracia e Desigualdades (UnB, Brasília)
Diversiones
- Grupo de Pesquisas “Direitos Humanos, poder e cultura em gênero e
sexualidade” (UFPE, Recife)
FAGES
- Núcleo de Família, Gênero e Sexualidade (UFPE, Recife)
Fórum
Gênero e Sexualidade na Educação (Pernambuco)
GEMA
- Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (UFPE, Pernambuco)
GENI
- Grupo de Estudos de Gênero, Sexualidade e(m) Interseccionalidades na Educação
e(m) Saúde (UERJ, Rio de Janeiro)
GEPCOL
- Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (UFPE,
Recife)
GEPEDIC
- Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Diversidade e Cultura (UNESPAR/
Paranavaí)
GEPEM
- Grupo de Estudos e Pesquisas "Eneida de Moraes" sobre mulheres e
gêneros (UFPA, Belém)
GEPS
- Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades (UNESP, São Paulo)
GESEC
- Grupo de pesquisa Gênero, Sexualidade e Estudos Culturais (UFS, Aracaju)
GRUPESSC
- Grupo de Pesquisas em Saúde, Sociedade e Cultura (UFPB, João Pessoa)
Grupo
de estudos e pesquisas Macondo: artes, culturas contemporâneas e outras
epistemologias (UFRPE/UAST, Serra Talhada)
Grupo
de Estudos em Gênero, Política Social e Serviços Sociais, (UnB, Brasília)
Grupo
de Estudos em Raça, Gênero e Políticas Públicas (UNICAP, Recife)
Grupo
de Estudos em Saúde Coletiva, Educação e Relações de Gênero (USP, São Paulo)
Grupo
de pesquisa “Gênero, Raça e Direitos Humanos” (Fundação Carlos Chagas, São
Paulo) Grupo de Pesquisa “Sexualidades, Cuidado e Políticas Públicas” (UFU,
Uberlândia)
Grupo
de Pesquisas sobre Gênero, Corporalidades, Direitos Humanos e Políticas
Públicas (UEL, Londrina)
GT
Estudos de Gênero (IFPE, Recife)
LabEshu
- Laboratório de Estudos da Sexualidade Humana (UFPE, Recife)
LABTECC
- Laboratório de Tecnologias, Ciências e Criação (UFMT, Cuiabá)
LEG
- Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (UFES, Vitória)
LIEIG
- Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Intervenção em Políticas Públicas
de Gênero (UFRJ, Rio de Janeiro)
MARGENS
- Modos de vida, família e relações de gênero (UFSC, Florianópolis)
Não Cala! Rede de Professoras e Pesquisadoras
da USP pelo fim da violência sexual e de gênero (USP, São Paulo)
NAU
– Núcleo de Análises Urbanas (FURG, Rio Grande, RS)
NAVI
– Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem (UFSC, Florianópolis)
NEG
- Núcleo de Estudos de Gênero (UFPR, Curitiba)
NEIM
- Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (UFBA, Salvador)
NEPeM
- Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (UnB, Brasília)
NEPEM
- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (UFMG, Belo Horizonte)
NEPIMG
- Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Relações de
Gênero (UFS, Aracaju)
NEPO
- Núcleo de Estudos de População (UNICAMP, Campinas)
NESEG
- Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero (UFRJ, Rio de Janeiro)
NESP
- Núcleo de Estudos em Saúde Pública (UFPI, Parnaíba)
NIGS
- Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (UFSC, Florianópolis)
NIPAM
- Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e
Gênero (UFPB, João Pessoa)
NUCED
- Núcleo de Estudos sobre Drogas (UFC, Fortaleza)
Núcleo
“Religião, Gênero, Ação Social e Política” (UFRJ, Rio de Janeiro)
Núcleo
de Pesquisa de Gênero - Programa de Gênero e Religião (Faculdades EST, São
Leopoldo/RS)
NUDERG
- Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero
(UERJ, Rio de Janeiro)
NUH
- Núcleo de direitos humanos e cidadania LGBT (UFMG, Belo Horizonte)
NUMAS
- Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (USP, São Paulo)
NUPEGE
- Grupo de Pesquisas e Estudos em Gênero (UFRPE, Recife)
NUPSEX
- Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (UFRGS, Porto Alegre)
PAGU
- Núcleo de Estudos de Gênero (Unicamp, Campinas)
(R)existências
e metaquestões dos marcadores de diferença (UEL, Londrina)
Ser-Tão
- Núcleo de Pesquisas em Gênero e Sexualidade (UFG, Goiânia)
APOIO
Revista
Estudos Feministas
ABGLT
- Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos AMNB –
Articulação
de Organizações de Mulheres Negras
Instituto PAPAI Grupo Criola
Grupo
Curumim #partidA
Fórum
Justiça Coletivo Feminino Plural
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