Inspiração da Lava Jato a operação Mão Limpas gerou corrupção 2.0, diz pesquisador italiano
Inspiração da Lava Jato a operação Mãos Limpas gerou
corrupção 2.0, diz pesquisador
FERNANDA
MENA
DE SÃO PAULO
16/03/2016
As
manifestações do último domingo (13) exaltaram a Operação Lava Jato e seu mais
célebre protagonista, o juiz federal Sergio Moro.
Se
a iniciativa anticorrupção italiana, chamada Operação Mãos Limpas, que inspirou
a brasileira, ditasse também seu desfecho, haveria pouco a comemorar.
Ao
investigar milhares de políticos italianos, incluindo quatro
ex-primeiros-ministros e centenas de empresários, a Mãos Limpas paradoxalmente
promoveu uma espécie de "corrupção 2.0", difusa e de difícil combate.
O
diagnóstico é do cientista político Alberto Vannucci, 52, professor da
Universidade de Pisa e principal referência de Moro em artigo de 2004 sobre a
operação italiana.
Segundo
Vannucci, a falta de medidas de promoção de transparência e prestação de contas
fez com que o esforço daquele grupo de juízes acabasse em pizza.
Leia
trechos da entrevista.
Folha - A Itália tem hoje índices de percepção de corrupção
semelhantes àqueles pré-Operação Mãos Limpas. O que deu errado?
Alberto Vanucci - Há uma
série de motivos para isso. O primeiro deles é que a Mãos Limpas foi uma ação
judicial que obteve sucesso parcial na repressão e sanção de certas atividades
criminosas cometidas pela classe política e econômica italianas, mas foi um
fracasso completo na renovação da política italiana.
Não
promoveu nenhuma melhora na transparência, na prestação de contas nem na
capacidade de resposta das instituições políticas italianas. Ao contrário, até
duas décadas depois da operação, não havíamos criado nenhuma lei anticorrupção.
Pior:
várias medidas, propostas e aprovadas pelos partidos de centro direita e de
centro esquerda, aumentaram a imunidade da classe política ao criar obstáculos
para investigações. Eles aprenderam a lição e, no ano seguinte ao término da
operação, recobrado o direito de criar e aprovar leis, criaram condições para o
desenvolvimento de uma corrupção mais difusa e de mais difícil detecção. Uma
corrupção 2.0.
A indignação da sociedade com a corrupção revelada pela
operação não teve continuidade após seu término?
O apoio popular às ações anticorrupção da Mãos Limpas teve vida curta. Talvez a
maior causa da falta de reação do eleitorado ao que se seguiu à Mãos Limpas
tenha sido o fato de seu desenvolvimento ter partido da investigação das elites
política e econômica para a apuração de uma cultura de corrupção que envolvia
atores da chamada sociedade civil: médicos, pequenos empresários que pagavam
propinas regulares etc. Quando a percepção de risco de envolvimento nas
denúncias cresceu entre a maior parte da população italiana, a corrupção deixou
de ser um assunto.
Qual foi o papel da mídia?
No início da operação, havia um interesse intenso da mídia. O nível dos
políticos envolvidos tendia a aumentar a cada fase da Mãos Limpas.
Em
poucos meses, as lideranças dos partidos políticos mais importantes da Itália
estavam sendo acusados.
Depois
desse impacto inicial, no entanto, tiveram início os processos judiciais, que
foram muito morosos.
Muitas
vezes tão lentos que os crimes prescreviam antes de terminarem os julgamentos
em todas as instâncias. Muita gente se livrou das acusações por causa disso.
Como a Mãos Limpas colaborou, de certa maneira, para a
ascensão de Silvio Berlusconi a primeiro-ministro?
Diretamente. A escalada de Berlusconi é uma consequência direta da operação.
Antes de 1992, ele era um empresário de vários setores, como mídia, futebol,
finanças e seguros. São atividades que estavam sobre algum tipo de regulação
pública, e ele havia comprado proteção política, em especial entre as
lideranças de centro direita e centro esquerda, que foram varridas da cena
institucional durante a operação Mãos Limpa.
O
Partido Socialista Italiano, que tinha 15% do eleitorado o apoiando, ficou com
menos de 1% em 1994, dois anos após o início da operação. O Partido Democrata
Cristão caiu de 30% para menos de 11%. Berlusconi percebeu este vazio político,
este vácuo de representação, e, com seu talento empresarial, criou seu próprio
partido, batizado de Forza Itália, algo que se grita nos estádios durante jogos
de futebol.
Como
a população não queria mais votar nos velhos partidos envolvidos nos escândalos
de corrupção, Berlusconi obteve esses votos.
Seu
partido foi fundado em janeiro de 1994 e, em março, obteve mais de 20% dos
votos e conquistou maioria na Câmara dos Deputados, o que o tornou
primeiro-ministro.
A tal crise de representatividade política.
Sim. A completa deslegitimação da classe política dominante fez surgir uma nova
safra de atores profundamente envolvida no sistema de corrupção que existia
antes da operação, da qual Berlusconi é o maior exemplo.
A
percepção dos eleitores se tornou binária: se o político era antigo, era ruim e
corrupto; se era novo, era bom e presumivelmente honesto. Berlusconi era novo,
apesar de não ser honesto. Sua condenação por fraude fiscal, no entanto,
ocorreu apenas em 2012.
Ou seja, eliminar um circuito de corruptos e corruptores
pode simplesmente promover um novo circuito de corrupção ainda pior?
Infelizmente, sim. No ambiente de corrupção pós-Mãos LImpas, os novos partidos
políticos não podiam exercer o papel de garantidores do sistema nacional de
corrupção, mas outros atores, como empresários, intermediários, políticos ou
mesmo integrantes do crime organizado, passaram a ser os garantidores de um
sistema local e mais restrito de corrupção. Agora temos um sistema policêntrico.
O
efeito dominó que a Mãos Limpas teve se tornou algo impossível de se repetir, e
a corrupção, mais difícil de ser punida.
Qual foi a importância das prisões preventivas para a
operação Mãos Limpas?
Foi muito importante para dar início à bola de neve que deu à Mãos Limpas a
proporção que ela teve. O primeiro político preso, Mario Chiesa, pode ficar até
três meses em prisão cautelar, de acordo com a legislação italiana. Por dois
meses, ele resistiu, até que as evidências reunidas contra ele se tornaram tão
consistentes que ele foi expulso do seu partido. Sem apoio, confessou e começou
a colaborar com as autoridades.
Ao
denunciar o envolvimento de outros políticos e empresários, criou um fluxo de
informações sobre quem havia pago o quê e para quem.
Como
a corrupção é um crime do colarinho branco, geralmente envolve as elites, gente
que não imaginava que poderia ser presa. Reunidas as evidências que
justificassem a prisão cautelar, um curto período de tempo atrás das grades se
mostrava suficiente para que essas pessoas cooperassem. isso porque, apesar de
serem criminosos, em geral não são violentos e não se consideram ladrões.
Esses
poucos dias, semanas ou meses na prisão acabaram se tornando a única pena por
eles cumprida porque a cooperação em muitos casos levou à extinção da punição
por aquele crime.
Era a contrapartida das delações?
A prisão preventiva só pode ser justificada quando há razões como a
possibilidade de repetição do crime, de atrapalhar as investigações, de coagir
testemunhas etc.
Quando
há uma confissão completa e verossímil, as razões para a manutenção para a
prisão cautelar desaparecem e o preso era enviado para prisão domiciliar ou
mesmo libertado, o que se tornou um grande incentivo para cooperação.
Quem pagou pelos crimes, então? Não houve, em certa medida,
impunidade para os crimes de corrupção descobertos pela Mãos Limpas?
Há estatísticas que mostram que mais ou menos 25% dos investigados na operação
foram condenados, o que é mais que média de condenação para os crimes comuns na
Itália. Menos de 2% dos condenados cumpriu pena restritiva de liberdade, ou
seja, prisão em regime fechado. A grande maioria recebeu penas alternativas de
prestação de serviços à comunidade e coisas do gênero.
De que maneira este resultado pode configurar incentivo à
corrupção?
É dramático dizer, mas acredito que seja, sim, um incentivo. Essa não é uma
opinião minha apenas. Muitos dos juízes que participaram da Mãos Limpas
admitiram, de forma melancólica, que a operação foi inócua em muitos aspectos,
numa visão otimista, quando não prejudicial porque ensinou algumas lições para
aqueles envolvidos no circuito de corrupção sistêmica de forma que eles
pudessem criar novos modelos de atividade ilegal com altas expectativas de
impunidade.
Neste sentido, teria a Mãos Limpas fomentado um processo de
deslegitimação do próprio Judiciário e de sua eficácia?
Sim, certamente. Isso é exatamente o que observamos após a ascensão de
Berlusconi, quando a grande questão de debate na esfera pública deixou de ser a
corrupção política e passou a ser a medida em que os operadores do Direito
poderiam investigar e processar políticos uma vez que não eram figuras eleitas
democraticamente. Ou seja, de onde viria o poder e a legitimidade desses juízes
se não haviam sido eleitos pelo povo?
Surgiram
ainda questões como: por que os juízes estão investigando e processando certos
políticos e não outros? Suas ações são isentas ou orientadas politicamente?
Apesar
desses questionamentos terem sido levantados tanto pela centro direita como
pela centro esquerda italianas, o primeiro a fazê-lo foi Berlusconi, que foi
acusado de corrupção apenas alguns meses depois de ter se tornado primeiro
ministro. Ele começou uma campanha muito dura contra essas acusações. E
inquéritos judiciais se tornaram instrumentos de conflito político.
Como
é esperado do juiz que siga suas obrigações institucionais com isenção,
seguindo princípios do Estado de Direito, a acusação de que o Judiciário havia
se politizado traiu a confiança da sociedade e deslegitimou as ações.
Claro
que o risco de juízes se orientarem por suas posições pessoais sempre existe em
qualquer sistema institucional. Mas quando o Estado de Direito funciona, haverá
sempre outros juízes que poderão impedir alguém com motivações pessoais de
práticas enviesadas.
FONTE: Aqui
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