terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobre a Tolerância Zero Britânica, ou do prólogo "(não) como nossos pais"







A estratégia de "tolerância zero" do primeiro ministro britânico, além de mostrar a séria ruptura social por que passa a sociedade capitalista moderna, tenta esconder aquilo que é sua pior realidade: Seus próprios filhos não se mostram preparados para tomar as rédeas de todas as "conquistas" construídas por seus pais e a perpetuação dos modos de reprodução se encontra em risco.

Famílias desestruturadas, a bonança de recursos e bens materiais encontra entra em sincronia com o esvaziamento de valores e referênciais de família, sujeito e sociedade. O medo de uma realidade que aporta seus primeiros sinais provoca pânico. Será que estamos preparados a viver durante um período de recessão de hábitos? Os reflexos sociais das manifestações inglesas ainda não "bateram" de maneira eficaz em outras realidades, continua enquanto evento pavoroso que acontece no velho continente, berço oscilante do capitalismo e do iluminismo.

Ao afirmar que o multiculturalismo falhou, Cameron "sugere" que, conceitos construídos vagamente não imputam políticas públicas eficazes no combate à um mal maior: a intolerância genética do ser humano. No instante em que a crise social, e econômica, toca à porta dos países provedores, algumas das marcas e cicatrizes carregadas ao longo de longas décadas de opressão e submissão ao mercado, fazem com que os filhos mais carentes de uma pátria se voltem contra os filhos abandonados de outras que buscam uma oportunidade de se tornarem os mesmos "sujeitos livres" que viram nas propagandas de TV.

O admirável mundo novo não apresentou o cenário futurista e hedonista que foi propagado no romance de Huxley, acabamos ficando só com o vazio, a sujeira, as ruínas e um medo de desesperança. O mundo carece de novos líderes e os que estão por aí continuam martelando no mesmo discurso de mercado que apregoa a necessidade de consumo para o mercado, tão canibal e frágil, não entre em colapso e gere uma crise de ainda maiores proporções. É a velha imagem da cobra mordendo o próprio rabo. É o eterno dilema que não apresenta solução. Como mudar as alternativas se não buscamos uma alternância nas posturas?

 Para ler o texto da carta capital sobre as atitudes do primeiro ministro britânico, clique aqui...



Da CartaCapital
Gianni Carta 15 de agosto de 2011 às 19:12h

Não é cortando alocações sociais dos pais de jovens enraivecidos que David Cameron resolverá o problema numa conjuntura onde protestos são inelutáveis e cíclicos.

Terminadas, pelo menos por ora, as manifestações na Inglaterra, uma mulher foi condenada a cinco meses de prisão em regime fechado por ter aceitado mercadorias provenientes de saques. A mãe de um rapaz de 18 anos, acusado por roubo e atos de violência, poderá ser expulsa de sua habitação popular subsidiada pelo governo. Cerca de 3 mil pessoas serão julgadas, e os tribunais em Londres e Manchester funcionam inclusive à noite. Punir famílias inteiras pelas ações de seus integrantes mais jovens faz parte do programa de Tolerância Zero, lançado no domingo 14 pelo primeiro-ministro britânico David Cameron.

Parece incrível, mas para Cameron faz sentido cortar as alocações sociais dos menos privilegiados no país com maior disparidade social na Europa – para lidar, nas palavras do premier, com os “ladrões”´ e “doentes” que integram as gangues de hoodies, os jovens encapuzados.  Num reinado civilizado, os menos privilegiados não deveriam, é óbvio, ser punidos. Os endinheirados deveriam pagar impostos mais elevados, coisa que não acontece. O governo conservador de Cameron, aliás, cortou os impostos do 1% dos mais ricos, e aumentou o valor agregado. Isso em período de recessão, e de cortes de benefícios sociais por conta do programa de austeridade. Assim, o poder aquisitivo das classes médias e baixas só tende a declinar.

Por essas e outras, nos protestos vimos manifestantes de todas as possíveis etnias a viver no país. Essencial, além de pensar um pouco mais no bolso do povo, é entender as causas a levar esses jovens e menos jovens para as ruas. O conflito, a evocar cenas de guerrilha urbana, teve início quando a mítica Scotland Yard matou um jovem negro, pai de quatro filhos. Houve, portanto, um elemento racial nos protestos. Como diz o próprio Cameron, o multiculturalismo “falhou”.  Não seria o caso de organizar campanhas para lidar com a discriminação racial?

Cameron prefere usar uma retórica severa para reconquistar seus eleitores conservadores na maior crise desde sua chegada ao cargo, 15 meses atrás.  O premier passava férias na Toscana quando a onda de violência estourou, e portanto chegou em Londres em plena crise. Em uma pesquisa de opinião publica, a maioria das 2.534 pessoas interrogadas (57%) revelou-se insatisfeita com a lenta reação do primeiro-ministro. Neste domingo 14,70% dos interrogados pelo tabloide Sunday Express mostraram-se favoráveis à suspensão das alocações sociais aos pais dos manifestantes.

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mães e pais britânicos passam menos tempo com os filhos que aqueles de outras nacionalidades europeias. E a vasta maioria desses pais ausentes pertence à fatia dos menos privilegiados.

Os filhos, potenciais hoodies, vivem num país onde artistas de vanguarda e celebridades são aqueles que se drogam e se embriagam. Amy Winehouse é apenas um exemplo recente.  Até os príncipe herdeiro Harry, nada avesso a uma boa bebedeira, não dá bom exemplo. Em 2000, o filho do então premier Tony Blair foi detido por estar “bêbado e incapacitado”. A polícia encontrou Euan numa calçada da Leicester Square, centro de Londres.  Outros modelos para os hoodies, claro, são os hooligans, muitas vezes os próprios pais, e skinheads de extrema-direita.

Segundo a Unicef, britânicos de 15 anos se embriagam com maior frequência, comparativamente a seus pares de outros países da Europa.  No Reino Unido, esse índice é de 27%, ante 3% na França. Superam todos os europeus no consumo de drogas – e em brigas (44% no Reino Unido; 28% na Alemanha).
Outra enquete, sobre o bem-estar dos jovens, realizada em 21 países industrializados, coloca os britânicos em último lugar.

E o quadro não parece ter melhorado desde 2008, quando uma pesquisa feita pelo semanário The Independent on Sunday revelou que nos quatro primeiros meses daquele ano um em cinco adolescentes carregava facas no bolso. Naquele início de ano, cinco adolescentes foram mortos esfaqueados, e mais cinco ficaram gravemente feridos.  Em 2007, somente em Londres, 27 adolescentes foram mortos por jovens com facas ou armas de fogo. Adultos também são vítimas. Em janeiro de 2008, três adolescentes mataram Garry Newlove, de 47 anos. Escolas secundárias públicas passaram a utilizar um sistema de detector de metais, como nos aeroportos.

O programa de Tolerância Zero de Cameron deveria incluir um maior numero de centros para jovens, e, sobretudo, melhores escolas públicas. Não é cortando as alocações sociais para os pais dos menos privilegiados e prendendo “ladrões de galinhas” que Cameron resolverá o problema de jovens enraivecidos. Por ora, seu discurso pode ter dado certo. Mas tanto Cameron como os leitores reacionários dos tabloides do magnata Rupert Murdoch deveriam levar em conta a seguinte ideia: na atual conjuntura, essas manifestações são inelutáveis e cíclicas.

http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/tolerancia-zero-l...


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