segunda-feira, 5 de junho de 2023

"À sua esquiva amada" - Andrew Marvell

 




À sua esquiva amada

 

 

 




Se tempo e mundo tivéssemos de sobra,


Seres esquiva, não era crime, Senhora,


Sentávamo-nos os dois, e depois se via


Como dois namorados passavam o dia.


Tu, junto do Ganges descobrindo rubis,


Eu, junto do Humber queixando-me, infeliz.


Vem de antes do Dilúvio o meu amor,


Que tu deverás recusar, se faz favor.


E até, Senhora, à conversão dos Judeus,


Assim se manterão os sentimentos teus.


Meu amor é como uma planta que aumenta,


Maior que um império, mas a crescer mais lenta.


E com mais uns cem anos eu ainda conte


Pra louvar teus olhos e admirar-te a fronte.


Duzentos anos irão para cada seio


E trinta mil para aquilo que não nomeio.


Pra outras partes, pelo menos uma vida,


E mais outra pelo teu coração repartida.


Senhora, este estado é de teu merecimento,


Nem eu te amaria a ritmo mais lento.


Mas, constante, por detrás da minha cabeça,


O carro do tempo alado já se apressa,


E longe, à nossa frente, logo se abre


A desértica vastidão da eternidade.


Tua beleza procurar-se-á em vão


E em teus salões não mais ecoarão


Meus versos; a virgindade sempre defendida,


Pelos vermes, finalmente será vencida.


Tua estranha honra será pó, e prevejo


Que em cinzas se transforme meu desejo.


A campa é um belo, secretíssimo espaço,


Que não dá, todavia, para um abraço.


E agora que a tua pele louçã


Jovem brilha como o orvalho da manhã,


E quando tua alma ansiosa se pressente


Em cada poro da pele em fogo ardente,


Brinquemos enquanto há tempo ainda,


E como amorosas aves de rapina


O nosso tempo antes vivamos vorazes


Do que lentos definhemos em suas fauces.


E rolemos depois, com todo o vigor,


Numa bola de doçura, o nosso amor.


Vão nossos prazeres de forma decidida


Rompendo pelos portões de ferro da vida.


Se nós não o pudermos parar, todavia,


Faremos nosso sol correr em cada dia.



 

 

 

Andrew Marvell



 

 

 

(Inglaterra, 1621-1678)

 


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