sábado, 5 de janeiro de 2019

OS EUS E AS MULTIDÕES (II) - Fernando Rios

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OS EUS E AS MULTIDÕES (II)*

multidão e multidões


que multidão é essa?
quando ela fala sabe o que diz?
será que ela é dona do seu próprio nariz?

que estranha geometria impera na multidão
sem círculos, quadrados, esferas, cubos

na multidão, há uma incompatibilidade
entre o triângulo retângulo e o isósceles 

catetos e hipotenusas desgovernados
esquecem as somas de seus quadrados
negam  mediana, bissetriz, mediatriz
e se arremetem contra... contra... contra...
até mesmo o equilibrado triângulo equilátero

a multidão é o contrário da geometria

quantos eus são necessários
para construir a multidão?

que multidão é essa que entre vida e morte
escolhe a sorte
e termina, sem engenho nem arte
cavando lentamente, abulicamente
sua própria vida/morte
minuto a minuto
como se o tempo escorresse lentamente
da ampulheta armadilha
sem saber que viver
que não tem contrário
(lembrem-se, viver está entre nascer e morrer)
é um douto saber
que não se aprende na escola nem na academia
é na prática que acontece a euforia

a caverna de platão engoliu a multidão
e ninguém quer sair e ver o mundo do jeito que ele é

mas há tantas multidões...
e que outra multidão é esta
que transforma areia e pedra
na sopa do amanhã
e fala para o mundo:
-       eu vim pra cá e quero viver em paz
quero um claro porvir          

que multidão é aquela outra 
que com ciência e arte sabe de cada eu
e transforma horrores em estandarte
e remete a uma nova felicidade que se reparte

há também homens e mulheres do deserto
que querem viver sem espetáculo nem cadafalso
apenas vivendo sua verdade
-       amar, nascer, renascer, viver, reviver, morrer
em cada momento, sempre com digna idade
e com arte, se refazer no outro
como o sol de todo e cada dia
aquece cada corpo e ilumina
como a lua de toda e cada noite
colore cada corpo e acaricia

sem falar nos habitantes da floresta
que sem clamor ou ironia
transformam a natureza
em humana condição

quantos eus sujeitos preciso para dar forma
a uma multidão objeto amorfo que repete e repete
e não transforma a fórmula mortis
em receita de vida?

 fernando rios
*Poema gentilmente cedido pelo autor.(04/01/2019)

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