Fragmento do romance “Imitação do Prazer”, de 1977 - Casimiro de Brito
Fragmento
do romance “Imitação do Prazer”, de 1977
Arrumamos
o carro debaixo de uma oliveira, lembras-te? Iniciavas o teu conhecimento
prático das árvores e dos bichos e ficamos por ali um pouco a falar do
mecanismo das colheitas e dos preços. Arrumamos o carro, pegamos nas coisas
(duas toalhas, um livro, algumas peças de fruta) e entramos por um caminho riscado na terra lavrada. Terra clara, culturas da
beira-mar, areias castanhas, areias agora mais claras, quanto mais próximas do
mar mais claras, figueiras e vinhas, clareando ainda, plantas agora
espontâneas, rasteiras, e por fim as dunas, a praia, o mar. E, sobre tudo, um
céu narcotizado. Como se não existisse.
Uma praia
despida.
Areia apenas.
O desenho de uma criança ou de um louco.
E dois corpos estendidos ao sol, re-encontrados: como se não tivéssemos vindo
um das dunas e o outro do mar — como se tivéssemos naufragado após séculos de
usura e de podridão, abraçámo-nos sem ênfase.
Pousámos a cabeça num montículo de areia coberto pelas toalhas. O mar
desdobrava-se a nossos pés.
Página sobre página, os nossos corpos nus. E um poema.
Lembro-me
do poema porque o assinalámos com uma concha. Finíssima. Uma quase lâmina.
Lembro-me da página porque eu te disse que gostaria de ter escrito para ti
aquele poema, este, de Octavio Paz:
“Entre
tus piernas hay un pozo de agua dormida,
bahía donde el mar de noche se aquieta,
negro caballo de espuma,
patria de sangre,
única tierra que conozco y me conoce,
única patria en la que creo
única puerta al infinito…
E
lembro-me que os teus ombros se erguiam lentamente à medida que o meu braço te
envolvia e a mão aberta pousava pouco a pouco no teu seio esquerdo. E no outro.
E no primeiro.
Seios pequenos. E procurava pousar nos dois ao mesmo tempo.
Modigliani,
lembras-te? Sopro de Modigliani. Seios nus, desatados.
Acesos.
Pouco a pouco acesos. Palavras poucas.
E os meus
dedos escoavam-se nos mamilos cada vez mais duros (o livro caído na areia), e
os teus dedos enovelavam-se nos meus joelhos, e tudo isto lenta, lentamente,
dentro ainda da claridade do dia, metálicos ainda, era um filme
submarino, uma câmara lenta, e metálicos ainda estamos, somos, quando pouco os
meus lábios nos teus e não os cravo ou apenas um pouco nada quase e só depois
com violência ou talvez não muita ou quase nenhuma…
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