Melhores universidades do mundo criam disciplinas seguindo demanda dos alunos
O professor de ciência política da UnB Luis Felipe Miguel, que ministrará disciplina sobre o ‘golpe de 2016’
Melhores universidades do mundo criam
disciplinas seguindo demanda dos alunos
Sabine
Righetti
28/02/2018
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Recentemente a universidade federal UnB causou um barulho
nacional ao criar uma disciplina eletiva chamada “O golpe de 2016 e o
futuro da democracia no Brasil”, oferecida pelo curso de graduação de ciência
política daquela instituição. O ministro da Educação, Mendonça
Filho, não gostou da proposta. Houve reação de todos os lados. Nesta
semana, a Unicamp anunciou uma disciplina na mesma linha,
optativa e oferecida por cerca de 30 docentes do IFCH (Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas) da universidade.
Uma
universidade pública brasileira pode oferecer um curso que claramente se opõe
ao atual governo?
Para
responder isso, vamos entender como funcionam as 195 universidades brasileiras
–públicas e privadas. De acordo com a Constituição de 1988, “as universidades
gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial” (artigo 207). O principal marco legal da educação brasileira, a
LDB, de 1996, também afirma que, no exercício de sua autonomia, as
universidades são asseguradas de “criar, organizar e extinguir, em sua sede,
cursos e programas de educação superior”(artigo 53).
Na
prática, o que a Constituição e a LDB querem dizer é que as universidades
devem seguir uma lógica própria, do ensino superior e da ciência, ao oferecer
seus cursos. O governo não pode interferir, mesmo que os recursos para
funcionamento da instituição venham do próprio governo. Isso leva o nome de
autonomia didática.
Agora
vamos ver como funciona fora do Brasil. Se você estudasse em Harvard, a
melhor universidade do mundo de acordo com o ranking de universidades ARWU de
2017, você poderia fazer um curso de filosofia a partir de super heróis,
poderia estudar a polarização das eleições americanas de 2016 ou ainda teria a
possibilidade de fazer um curso de economia e política social sob a ótica
libertária. Essas disciplinas optativas estão à disposição (em meio a outras
milhares de opções) dos alunos daquela universidade que, antes de começar o ano
letivo, selecionam de dois a quatro cursos por semestre.
SOB
DEMANDA
Em
universidades como Harvard, as disciplinas são mantidas se tiverem demanda. Um
professor pode criar e ofertar um curso que considere fantástico, mas que, sem
alunos, estará fadado a desaparecer. Ainda não há dados sobre a proposta da
Unicamp, mas o curso da UnB está com lista de espera.
Mais: em
boas universidades do mundo, os alunos tendem a fazer disciplinas fora da sua
área e, inclusive, inscrevem-se em tópicos com os quais discordam. Nos
primeiros dias de aula, os alunos de universidades de ponta como Harvard
frequentam os cursos previamente selecionados para conhecer detalhes do
programa e, também, para entender como pensam os professores. Se concordarem
com o professor, alguns ficam. Se discordarem, outros também ficam justamente
porque esses estudantes são treinados a ouvir os argumentos de quem pensa
diferente deles. É assim que se dão os debates de qualidade.
Se a gente
seguisse a mesma lógica no Brasil, a disciplina da UnB ou da Unicamp não seria
questionada pela oposição, ao contrário: os alunos que discordam da ideia
de um golpe, baseados em teses e autores distintos, fariam o curso para
entender os argumentos dos docentes e para expor suas próprias ideias.
No dia
seguinte ao da eleição dos EUA, a Universidade de Stanford, também entre as
melhores do mundo, por exemplo, suspendeu as aulas e fez um dia de meditação
para que os alunos refletissem sobre o que tinha acontecido. A Universidade de
Michigan, que também está entre as melhores do mundo, promove com
frequência debates entre especialistas contra e a favor do
aborto, ou do Obamacare ou da deportação em massa de imigrantes
estimulando os alunos a votarem em quem teve o melhor argumento. Proibir
debates, ou cursos, está fora de cogitação.
Aqui no
Brasil, Mendonça Filho (MEC) perguntou, no Twitter, se a ex-presidente
Dilma Rousseff (PT), em nome da autonomia universitária, “defenderia a criação
de uma disciplina intitulada ‘O PT, o petrolão e o colapso econômico do
Brasil’?” E continuou: “É inaceitável o uso de recursos humanos e
materiais das universidades públicas para servir para a divulgação de teses
malucas do PT, seus aliados ou qualquer partido político.”
No caso do
curso da Unicamp, que acaba de ser anunciado, o professor do IFCH Armando Boito
Júnior afirmou, em reportagem da Folha, que “cada
professor vai dar aula sobre o tema que pesquisa”. “São pesquisadores e
especialistas no assunto, ninguém vai lá para dar opinião”, diz.
Se os
cursos propostos seguirem a lógica de ensino e de pesquisa instituída pela
própria universidade, que é autônoma, e não em “teses malucas” como afirma o
ministro, se forem optativos e se houver demanda, não me parece que o governo
possa legalmente interferir e, tampouco, impedir, a oferta das disciplinas.
FONTE: Aqui
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