"O fim do emprego" - Vladimir Safatle
O FIM DO EMPREGO
Vladimir Safatle
24/03/2017
Nunca
na história da República o Congresso Nacional votou uma lei tão
contrária aos interesses da maioria do povo brasileiro de forma tão sorrateira.
A terceirização irrestrita aprovada nesta semana cria uma situação geral de
achatamento dos salários e intensificação dos regimes de trabalho, isto em um
horizonte no qual, apenas neste ano, 3,6 milhões de pessoas voltarão à pobreza.
Estudos
sobre o mercado de trabalho demonstram como trabalhadores terceirizados ganham,
em média, 24% menos do que trabalhadores formais, mesmo trabalhando, em média,
três horas a mais do que os últimos. Este é o mundo que os políticos
brasileiros desejam a seus eleitores.
Nenhum
deputado, ao fazer campanha pela sua própria eleição em 2014, defendeu reforma
parecida. Ninguém prometeu a seus eleitores que os levariam ao paraíso da
flexibilização absoluta, onde as empresas poderão usar trabalhadores de forma
sazonal, sem nenhuma obrigatoriedade de contratação por até 180 dias. Ou seja,
esta lei é um puro e simples estelionato eleitoral feito só em condições de
sociedade autoritária como a brasileira atual.
Da
lei aprovada nesta semana desaparece até mesmo a obrigação da empresa
contratante de trabalho terceirizado fiscalizar se a contratada está cumprindo
obrigações trabalhistas e previdenciárias. Em um país no qual explodem casos de
trabalho escravo, este é um convite aberto à intensificação da espoliação e à
insegurança econômica.
Ao
menos, ninguém pode dizer que não entendeu a lógica da ação. Em uma situação na
qual a economia brasileira está em queda livre, retirar direitos trabalhistas e
diminuir os salários é usar a crise como chantagem para fortalecer o patronato
e seu processo de acumulação. Isto não tem nada a ver com ações que visem o
crescimento da economia. Como é possível uma economia crescer se a população
está a empobrecer e a limitar seu consumo?
Na
verdade, a função desta lei é acabar com a sociedade do emprego. Um fim do
emprego feito não por meio do fortalecimento de laços associativos de
trabalhadores detentores de sua própria produção, objetivo maior dos que
procuram uma sociedade emancipada. Um fim do emprego por meio da precarização
absoluta dos trabalhos em um ambiente no qual não há mais garantias estatais de
defesa mínima das condições de vida. O Brasil será um país no qual ninguém
conseguirá se aposentar integralmente, ninguém será contratado, ninguém irá
tirar férias. O engraçado é lembrar que a isto alguns chamam "modernização".
De
fato, há sempre aqueles dispostos à velha identificação com o agressor. Sempre
há uma claque a aplaudir as decisões mais absurdas, ainda mais quando falamos
de uma parcela da classe média que agora flerta abertamente com o fascismo.
Eles dirão que a flexibilização irrestrita aumentará a competitividade, que as
pessoas precisarão ser realmente boas no que fazem, que os inovadores e
competentes terão seu lugar ao sol. Em suma, que tudo ficará lindo se deixarmos
livre a divina mão invisível do mercado.
O detalhe
é que, no mundo dessas sumidades, não existe monopólio, não existe cartel, não
existem empresas que constroem monopólios para depois te fazer consumir carne
adulterada e cerveja de milho, não existe concentração de renda, rentismo,
pessoas que nunca precisarão de fato trabalhar por saberem que receberão
herança e patrimônio, aumento da desigualdade. Ou seja, o mundo destas pessoas
é uma peça de ficção sem nenhuma relação com a realidade.
Mas
nada seria possível se setores da imprensa não tivesse, de vez, abandonado toda
ideia elementar de jornalismo.
Por
exemplo, na semana passada o Brasil foi sacudido por enormes manifestações
contra a reforma da previdência. Em qualquer país do mundo, não haveria veículo
de mídia, por mais conservador que fosse, a não dar destaque a centenas de
milhares de pessoas nas ruas contra o governo. A não ser no Brasil, onde não
foram poucos os jornais e televisões que simplesmente agiram como se nada,
absolutamente nada, houvesse acontecido. No que eles repetem uma prática de que
se serviram nos idos de 1984, quando escondiam as mobilizações populares por
Diretas Já!. O que é uma forma muito clara de demonstrar claramente de que lado
sempre estiveram. Certamente, não estão do lado do jornalismo.
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