As mulheres na ciência e as expectativas para o século XXI
AS MULHERES NA CIÊNCIA E AS EXPECTATIVAS PARA O
SÉCULO XXI
Vanderlan da S. Bolzani*
Nesse artigo a professora Vanderlan Bolzani
descreve as inúmeras barreiras encontradas pelas mulheres e os avanços
concretos obtidos nas últimas décadas
Desde a celebração do Ano Internacional da Química, em 2011 (AIQ-2011), tenho
participado de várias conferências internacionais sobre o papel das mulheres na
ciência. Esses eventos, vistos em seu conjunto, mostram um painel
diversificado, com protagonistas de muitos países, de diferentes etnias e
crenças. Mas com um ponto em comum. Graças à sua atuação como cientistas, essas
mulheres conseguiram se destacar em um campo de atividade bastante valorizado
pela sociedade, no qual os homens ainda predominam de forma marcante.
Governos, organizações internacionais como a ONU, e associações científicas
empenham-se hoje em promover, estimular e apoiar iniciativas que levem à mudança
das estruturas sociais responsáveis pela desigualdade entre homens e mulheres
no campo da educação e da ciência. Nesse sentido, nós pesquisadoras e
educadoras que vivemos neste início do século XXI, apesar de ainda enfrentarmos
inúmeras barreiras para a realização profissional, podemos nos beneficiar de
avanços concretos obtidos nas últimas décadas.
Nunca é demais lembrar que a presença efetiva das mulheres no espaço oficial da
ciência é, em termos históricos, muito recente, alcançando algo em torno de um
século apenas. Uma inclusão que exigiu das pioneiras coragem e muita
perseverança para se defrontar com a tradição. O caso de maior visibilidade e
impacto é, sem dúvida, o de Marie Sklodowska Curie (1867 – 1934) primeira
mulher a receber o Prêmio Nobel nas áreas de Física (1903) e Química (1911) e
primeira cientista a receber a dupla premiação. Polonesa, vivendo no período em
que seu país estava sobre dominação do império russo, filha de um professor de
física e matemática comprometido com a causa do nacionalismo polonês, Marie
Curie construiu sua trajetória com uma tenacidade admirável. Soube burlar as
proibições de estudo superior para as mulheres no contexto de então, e
conseguiu articular sua ida a Paris onde, anos depois, se inseriu nos grupos científicos
que realizavam a pesquisa mais avançada em Física e Química na Europa, e
portanto, no mundo. O reconhecimento ao seu trabalho científico se deve,
principalmente, a ter desvendado uma nova área de conhecimento, a radioquímica.
O exemplo de Marie Curie e de outras pioneiras nesse momento do final do século
XIX e início do século XX abriu caminho para a luta pela redução da
desigualdade entre homens e mulheres na ciência. Entre essas pioneiras está a
inglesa Rosalind Franklin (1920-1958), pesquisadora da área de biofísica cujos
estudos sobre a difração do raio-X contribuíram para a determinação da
estrutura do DNA. Assim como a também inglesa Dorothy Crowfoot Hodgkin
(1910-1994), bioquímica que recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1964 por seu
trabalho no campo da cristalografia do raio-X, conhecimento que se tornou
amplamente utilizado e propiciou, entre outros avanços, a descoberta da
estrutura da insulina.
O número de cientistas criativas, talentosas e bem sucedidas foi crescendo ao
longo do século XX e construindo uma nova mentalidade para homens e mulheres em
substituição à “tradição”. Mas se essa mudança trouxe uma prova de qualidade,
não se traduziu, entretanto, em um processo de participação igualitária das
mulheres nas faixas média e alta das carreiras e, sobretudo, nos postos de
direção.
O fenômeno da sub-representação das mulheres nas carreiras científicas e, de
forma geral, no campo conhecido como STEM (da sigla em inglês science,
technology, engineering and mathematics) está presente nos países de economias
avançadas e continua sendo um desafio para educadores e formuladores de
políticas públicas.
Nos EUA, levantamento realizado em 2013, mostrou que apesar de as mulheres
constituírem 46% da força de trabalho ocupavam apenas 27% dos postos em ciência
e engenharia. São números que representam um avanço se comparados aos de 2003,
mas revelam também a dificuldade em vencer as barreiras das estruturas
tradicionais.
Na Comunidade Européia, essa realidade pode ser vista nos dados que tratam da trajetória
da carreira acadêmica de homens e mulheres. Informações do relatório SHE
Figures, da Comissão Europeia, de 2012, mostram que na etapa inicial da
carreira acadêmica os postos para jovens doutores estão divididos entre 70%
(homens) e 30% (mulheres). Já na etapa final das carreiras, quando são
considerados pesquisadores seniores, apenas 10% das mulheres chegam a essa
condição.
No Brasil, a sub-representação das mulheres é um fenômeno em movimento e vem se
alterando rapidamente na base da pirâmide educacional. Segundo o censo do INEP
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de
2000 a 2012, o número de mulheres que concluiu o ensino médio é ligeiramente
superior ao de homens. Nos cursos de graduação, considerando-se todas as
carreiras, aí incluídas áreas onde a predominância feminina é marcante como
pedagogia, letras, ciências humanas, em 2012, elas representam 57,1% dos
concluintes.
O ano de 2010 marca o ponto de equilíbrio quanto ao gênero, no número de
pesquisadores registrados no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico).
Os 128,6 mil pesquisadores então relacionados na base de dados do órgão estavam
divididos igualmente entre homens e mulheres. Uma mudança frente à situação que
a pesquisa identificou no início do levantamento (1995) quando essa proporção
mostrava 60% para homens e 40% para mulheres. Ao mesmo tempo, ao final
desse período (1995 – 2010) o número de mulheres (52%) ultrapassou o de homens
(48%) como líderes dos grupos de pesquisa registrados no CNPq.
Não há dúvida que as ações que ampliam a participação feminina na atividade
científica devem gerar ganhos substantivos nos próximos anos. Mas, os números
totalizados não revelam a desigualdade da proporção entre ambos quando se olha
para as áreas de conhecimento isoladamente. Assim, áreas “tradicionalmente”
tidas como masculinas e femininas continuam com perfil de distribuição
fortemente desigual. Por exemplo, em ciências agrícolas essa proporção é de 74%
(H) e 36% (M); em ciências exatas e da terra, que engloba física, química e
matemática, de 68% (H) e 32% (M); engenharias, 71% (H) e 39% (M).
Os números para avaliar essa realidade são mais escassos quando se trata de
identificar a divisão de gênero nos postos de direção e chefias da
Universidade, a grande empregadora de pesquisadores no país. No entanto, um
reflexo desse desequilíbrio pode ser visto nos quadros dirigentes das
principais sociedades científicas do país, onde as lideranças femininas
continuam sendo uma exceção merecedora de registro. As mudanças neste panorama,
em qualquer parte do mundo, dependerão de nós, que devemos continuar a luta por
um mundo mais equilibrado, onde cientistas mulheres e homens sejam
protagonistas não apenas da geração do conhecimento que desvendem os segredos
do universo, mas, também sejam lideranças na luta de construção de um mundo
mais harmonioso para as futuras gerações.
* Vanderlan da S. Bolzani é Professora Titular do Instituto de Química de
Araraquara da Universidade Estadual Paulista (IQAr-Unesp), vice-presidente da
Fundação para o Desenvolvimento da Unesp (FUNDUNESP) e da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC).
FONTE: Nossa Ciência, Edição 63, Ano 3, 10/03/2017 Aqui
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