Muda o partido, mas sexismo contra americanas poderosas persiste
Muda o partido, mas sexismo contra americanas poderosas persiste
Susan Chira*
07/03/2017
Assim
como Hillary Clinton, Kellyanne Conway, assessora de Trump, é alvo de ataques
Qual política mulher
poderosa é ridicularizada por suas roupas, é alvo de fotos no Twitter
mostrando-a abatida e é constantemente chamada de bruxa e megera?
Se você acha que é Hillary Clinton, está
certo. Mas se você supôs que é Kellyanne Conway, está certo também.
Aparentemente a misoginia continua sendo um
exercício bipartidário. Por mais legítimas que sejam as críticas contra cada
uma das mulheres, é surpreendente como a raiva é frequentemente expressada
através dos mesmos termos sexistas, tanto por homens quanto por mulheres.
Hillary "repete suas roupas
bregas", atacou um crítico no Twitter. A roupa do Dia da Posse usada por
Conway, uma assessora do presidente Donald Trump, parecia "um pesadelo com
uma líder de torcida humanoide".
O cabelo de Hillary atraiu implacáveis
chacotas; um usuário do Twitter perguntou recentemente: "Por que Kellyanne
Conway sempre parece estar bêbada e usando maquiagem da gandaia da noite
passada?"
E ambas as mulheres foram repetidamente
comparadas às bruxas do Mágico de Oz, o exemplo mais recente deles tendo sido
uma foto compartilhada no Twitter com Conway no papel da bruxa morta embaixo da
casa de Dorothy.
As duas mulheres se encontram em polos
ideológicos opostos, mas elas despertam o mesmo desconforto cultural
persistente em relação a mulheres ambiciosas e fortes.
"Esses memes sexistas não se limitam a
um partido", disse Karen Finney, uma assessora sênior da campanha de
Hillary. "Nós tememos mulheres fortes e mulheres com poder. Esses ataques
têm a intenção de deslegitimizar esse poder."
Conway atraiu desdém e foi desconvidada de
alguns programas de notícias, por suas referências a um massacre em Bowling
Green que nunca aconteceu e por defender alegações a respeito do tamanho do
público na cerimônia de posse de Trump como sendo "fatos
alternativos". No entanto, parte das críticas feitas a ela assumiram um
tom nitidamente machista.
É só ver o furor que houve quando ela se
sentou sobre os calcanhares com os joelhos para a frente em um sofá no Salão
Oval durante uma recepção para presidentes de faculdades de tradição negra.
Quando ela atraiu acusações de ter sido desrespeitosa, alguns dos comentários
incluíram menções a ela abrir as pernas e alusões explícitas a sexo oral,
Monica Lewinsky e Bill Clinton.
O deputado Cedric Richmond (democrata,
Louisiana), contou uma piada agora já famosa de que a posição dela era
"familiar" no Salão Oval nos anos 1990, atraindo uma bronca de
ninguém menos que Chelsea Clinton. (Richmond pediu desculpas na noite de
domingo).
Um esquete do programa "Saturday Night
Live" mostrou Conway como a mulher obcecada do filme "Atração
Fatal", invadindo a casa do correspondente da CNN Jake Tapper para
seduzi-lo e tentar convencê-lo a convidá-la para seu programa.
"Parece haver muito ressentimento
contra ambas, por uma ideia de que elas teriam sede por poder e a vontade de
controlar os homens", disse Marjorie J. Spruill, autora de "Divided
We Stand: The Battle Over Women's Rights and Family Values That Polarized
American Politics" (em tradução livre, "A divisão faz a força: a luta
pelos direitos das mulheres e os valores familiares que polarizaram a política
americana", sem lançamento no Brasil). "Enquanto Hillary é chamada de
castradora e megera, Conway muitas vezes é chamada de vadia. A insinuação é de
que ela estaria usando a feminilidade para controlar os homens."
Spruill observou que Conway na verdade
havia se inclinado para tirar fotos como um favor aos participantes, mas que
alguns detratores haviam classificado a pose como uma investida sexual.
Sobra ironia. Conway é abominada por muitos
assessores de Hillary pois ela teria arquitetado uma campanha presidencial que,
segundo eles, usou mensagens aberta e implicitamente sexistas. Trump denegriu
repetidamente as mulheres por sua aparência e, depois de tomar posse, mandou as
mulheres que integram sua equipe "se vestirem como mulheres".
Muitas mulheres conservadoras, desde Sarah
Palin até Ann Coulter, enfatizaram sua feminilidade para se distanciar de
feministas, a quem elas acusam de odiarem os homens. Em uma entrevista dada
recentemente na Conservative Political Action Conference, Conway disse que ela
apoiava muitos princípios feministas, mas que não se considerava uma porque o
feminismo seria anti-homens, pró-aborto e se identificava com a esquerda.
"Acho que parte da reticência que pode
estar parecendo um coro não muito expressivo em defesa de Kellyanne Conway
diante desses comentários machistas é a sensação de que ela não é apoiada por
nós", disse Gillian Thomas, uma advogada sênior do Women's Rights Project
da American Civil Liberties Association. "É uma pena. Se as mulheres
fossem mais unidas e se pronunciassem contra esse tipo de comportamento,
inclusive quando é perpetrado pela esquerda, estaríamos em uma situação muito
melhor."
Conway sugeriu em uma entrevista ao The
Daily Caller que haveria mais revolta em relação aos comentários se ela fosse
uma mulher de esquerda, acrescentando: "E não somente se eu fosse uma
mulher de esquerda, mas sim se eu fosse pró-aborto". Conway não respondeu
à mensagem deixada com sua assistente solicitando comentários seus para este
artigo.
Ainda assim Conway tem defensores vivazes
entre a direita nas mídias sociais que dizem que ela deveria ser festejada como
um exemplo de mulher inovadora na política em vez de ser ridicularizada em
termos machistas, e algumas mulheres de esquerda no Facebook repreenderam
outras por sexismo.
"Senhoras e senhores, discordo dela
quanto qualquer um de vocês", escreveu alguém que se identificou como
Melissa Mae. "Mas seria ótimo ver comentários que se ativessem a pontos
válidos em vez de SEMPRE atacar as mulheres com base em sua 'aparência'."
Mirya R. Holman, uma professora-assistente
de ciências políticas na Universidade de Tulane que estuda questões de gênero e
política, disse que "isso imita o que mulheres conservadoras disseram no
passado: 'Vocês, de esquerda, acham que são tão esclarecidos, mas as pessoas
ainda dizem coisas vis a nosso respeito'".
Jennifer Palmieri, diretora de comunicações
para a campanha de Clinton, que bateu de frente de forma memorável com Conway
em um fórum pós-eleições em Harvard, também vê reflexos do sexismo que
perseguiu sua candidata nos ataques contra Conway.
Ela disse que acreditava que Conway deveria
ser responsabilizada por suas ações, mas observou que, enquanto Stephen Bannon,
estrategista-chefe de Trump, é retratado como um "gênio do mal" que
astutamente promove imagens de um Estados Unidos ameaçado por imigrantes e concorrentes
estrangeiros, Conway é retratada como "louca" por inventar e promover
mensagens similares.
"O que acho realmente perturbador é
pensarem que, por ele ser homem, isso é realmente inteligente e
estratégico", ela disse. "Por que não há uma teoria por trás do que
Kellyanne faz?"
Independentemente de os ataques virem da
direita ou da esquerda, eles mostram uma raiva persistente contra mulheres que
saem dos papéis convencionais. As mídias sociais há muito tempo possibilitaram
uma forte subcultura de depreciação violenta das mulheres, tais como ameaças do
GamerGate em relação àquelas que desafiassem o bastião masculinos dos
videogames. Assim como um racismo latente veio à tona durante a presidência de
Barack Obama, esta eleição expôs uma causticidade em relação a mulheres
poderosas que continua a emergir, para além dos limites do Twitter ou do
Reddit.
"Para mim, a eleição de 2016 foi uma
oportunidade de ser lembrada de que não estamos em uma espécie de sociedade
pós-gênero", disse Holman. "Existe um subconjunto de comportamentos
aceitáveis para as mulheres."
Finney, uma assessora antiga de Clinton,
observou essas questões se exaurirem por mais de 20 anos na vida pública
enquanto Hillary servia como referência para debates sobre o papel das
mulheres, contando que ela e outras mulheres conservadoras se sentavam nos
camarins enquanto esperavam suas entradas em programas de TV e trocavam
histórias de como elas eram atacadas.
"Existe essa sensação de 'não é
possível, estamos voltando a isso?'", ela disse. "Talvez tenhamos de
regredir para avançar".
*Com reportagem de Cynthia Collins e Sona
Patel.
FONTE: Aqui
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