Está cada vez mais difícil conseguir sentar e ler um livro
Está cada vez mais difícil conseguir sentar e ler um livro
Yuan Ren
12/03/2017
Está ficando cada vez
mais difícil sentar e ler um livro em Pequim. Mesmo com a persistente neblina
poluída do lado de fora sendo a desculpa perfeita para ficar em casa, fechar a
porta e fazer exatamente isso, não consigo ler cinco minutos do Capítulo 1 sem
me preocupar se o rapaz da entrega está tentando entrar em contato comigo pelo
telefone.
Tudo acontece muito rápido na China, e a
sobrecarga sensorial não deixa espaço para continuidade. Se você faz uma compra
online, sua encomenda chega na manhã seguinte. O WeChat —uma espécie de mistura
entre Facebook, Twitter e WhatsApp— consome as vidas ao meu redor. Muitas
pessoas da minha idade, incluindo amigos atarefados com suas carreiras, estão
vivendo mais suas vidas na internet do que fora dela.
Eu costumava apreciar o tempo que passava
no metrô de Londres para me deixar absorver por um bom livro. No metrô de
Pequim, é quase impossível conseguir um lugar para sentar, e tem sempre alguém
do lado assistindo a um vídeo no WeChat sem fones de ouvido. Isso meio que
corta o clima, não que alguém esteja tentando ler um livro, de qualquer forma.
"Quando foi a última vez em que você viu alguém com um livro em mãos no
transporte público?", perguntou um escritor amigo meu. Eu sinceramente não
conseguia me lembrar.
No ano passado, depois que a Emma Watson
escondeu livros no metrô de Londres para incentivar os usuários a lerem, uma
empresa de mídia chinesa tentou fazer o mesmo. Em um estilo tipicamente chinês,
ele tentou fazer algo maior e melhor, lançando a iniciativa em várias cidades
ao mesmo tempo e recrutando celebridades para esconder os livros. Mais de 10
mil livros foram deixados em estações, trens e táxis. Mas logo fotos de livros
empilhados ao lado de uma lata de lixo de uma plataforma começaram a rodar as
redes sociais. Foi a deixa para as chacotas, com os usuários perguntando:
"Será que os chineses sequer leem livros?"
No entanto, o cenário é diferente na
Sanlian, livraria 24 horas de três andares em Pequim, há muito tempo conhecida
como o "lar espiritual dos intelectuais da China". Mesmo à
meia-noite, muitas vezes todas as mesas de leitura estão ocupadas. A popularidade
da Sanlian se deve ao seu foco em ciências sociais e artes, bem como à
seletividade do editor. "Jovens literários" new age também vão lá
para ler, na companhia de um café na cafeteria que funciona a noite inteira no
andar de cima.
"As atitudes em relação à leitura se
manifestaram em dois extremos", diz Cui Defang, editor da Sanlian
Publishing. "Existe uma minoria que adora ler ou lê com fins acadêmicos, e
aqueles que leem muito pouco depois que saem da escola porque não veem o que
isso tem a ver com a vida real".
"Mas os chineses estão sempre lendo,
só que é em seus celulares e não em livros", comentou recentemente um
amigo meu. As vendas de livros online de fato cresceram, com e-books para
públicos de nicho. Mesmo assim, o número de livros lidos—em qualquer formato
que seja—está em declínio. De acordo com uma pesquisa de 2012 feita pelo
Instituto de Ciências Sociais, o chinês médio lia somente pouco mais de quatro
livros por ano, em comparação com os 10 livros por ano no Reino Unido, se você
acreditar nas estatísticas do YouGov. Os números da China já vinham caindo no
final dos anos 1990, e em 2014 mais de 40% dos chineses liam menos que um
livro, se excluirmos os livros didáticos.
As pessoas ao meu redor também não têm mais
o hábito de ler. A cultura de classe média ocidental onde as pessoas discutem
novos romances não existe de fato. No entanto, ela existe para os filmes, o que
explica por que o hábito de ir ao cinema, algo muito menos cansativo do que
ler, se tornou popular.
A falta do gosto pela leitura se origina na
abordagem do sistema educacional chinês para a língua e a literatura. Os jovens
alunos certamente são incentivados a ler, tendo acesso a centenas de breves
ensaios e trechos de romances em seus livros escolares, incluindo mestres
contemporâneos como Lu Xu, poetas antigos como Li Bai e até mesmo o romancista
francês Alphonse Daudet. No entanto, é uma rede ampla e rasa. Os estudantes
raramente têm a chance de estudar um livro inteiro, ou discutir um deles em
profundidade. As crianças não são estimuladas a ler com um espírito
independente ou a formar suas próprias opiniões.
"A leitura na China está diretamente
associada às provas", diz Gao. "O processo se torna muito voltado
para resultados, assim como quase tudo na China ultimamente". O mesmo se aplica
ao ensino da escrita: boa parte do que aprendi nas aulas de chinês tinha uma
sugestão moral ou política. Quando cheguei ao segundo ano do ensino primário,
eu já dominava a arte de interpretar textos de uma forma bastante valorizada:
eu papagueava qualquer coisa que eles falassem.
Para muitos chineses, a leitura desperta a
questão: "Para quê isso me serve?" As recompensas de se acessar um
livro do jeito mais demorado são oblíquas demais.
Em uma cultura de resultados rápidos,
explica Gao, as pessoas "só querem ler livros que lhes digam como
enriquecer, e rápido".
*Yuan Ren é jornalista em
Pequim
FONTE: Aqui
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