Como uma greve leva o Dia da Mulher de volta às suas raízes radicais americanas
Como
uma greve leva o Dia da Mulher de volta às suas raízes radicais americanas
Ruth Graham
07/03/2017
A Marcha das Mulheres que ocorreu um dia
depois da posse de Donald Trump foi quase certamente a maior manifestação em um
único dia na história dos EUA. Segundo uma estimativa, pelo menos 3,7 milhões
de pessoas foram às ruas em pelo menos 500 cidades --mais de um em cada cem
americanos.
Nesta quarta-feira, o movimento que se
reuniu em torno da oposição feminista a Donald Trump enfrentará seu próximo
grande teste de organização. "Um Dia Sem uma Mulher", como as
organizadoras da Marcha das Mulheres o estão chamando (depois do recente
"Dia Sem Imigrantes"), destina-se e ser um "dia de ação"
global, em que as mulheres farão greve do trabalho pago e não pago. "Acho
que muitas mulheres estavam procurando o que mais poderia ser feito"
depois do evento em janeiro, disse Carmen Perez, copresidente da Marcha das
Mulheres. "Estamos esperando que isto seja nacional e mundial."
A mensagem do evento é um pouco menos
precisa do que os apelos que levaram milhões de pessoas aos centros urbanos em
janeiro: as organizadoras pedem que as participantes tirem um dia de folga,
evitem compras exceto em pequenos negócios de propriedade de mulheres ou de
minorias e/ou usem roupas vermelhas em solidariedade. Um grupo separado de
organizadoras de movimentos, que começaram a planejar sua própria greve em
outubro passado, a chama de Greve Internacional das Mulheres, ou apenas Greve
das Mulheres, e encorajam uma série maior de atos. (As duas coalizões uniram
forças, mas não sincronizaram exatamente sua marca.)
Ainda não está claro quantas mulheres
atenderão ao chamado, e o que elas conseguirão. Mas um aspecto notável da ação
está na própria data --8 de março, o Dia Internacional das Mulheres. Embora a
maioria dos americanos conheça apenas vagamente a data, se a greve tiver êxito
isso poderá mudar: significará que uma comemoração hoje global voltou a suas
raízes radicais americanas.
O primeiro Dia Nacional das Mulheres
oficial foi declarado em 1909 pelo Partido Socialista dos EUA, que realizou
vários grandes eventos em um único dia na cidade de Nova York. Os organizadores
escolheram um domingo, 28 de fevereiro, para que as mulheres trabalhadoras
pudessem participar. Funcionou: os eventos atraíram milhares de pessoas, incluindo
sufragistas e socialistas, que às vezes haviam se chocado no passado por
prioridades e estratégias. "É verdade que o dever de uma mulher se
concentra em seu lar e na maternidade", disse a escritora e reformista
Charlotte Perkins Gillman a uma multidão no Brooklyn, "mas o lar deve
significar o país inteiro, e não se limitar a três ou quatro cômodos em uma
cidade ou um Estado".
Dentro de poucos anos, o conceito de um
"dia das mulheres" para causas relacionadas ao trabalho e aos
direitos das mulheres havia decolado na Europa. Segundo algumas estimativas,
mais de 1 milhão de pessoas participaram de comícios em todo o mundo em 19 de
março de 1911. Em 1917, a feminista russa Alexandra Kollontai liderou um
protesto maciço que ajudou a produzir a abdicação do czar Nicolau 2º e a
Revolução Russa. Em sinal de respeito, Lênin declarou o Dia da Mulher feriado
oficial em 1922. Os comunistas da China e da Espanha começaram formalmente a
comemorá-lo, e o Dia Internacional das Mulheres permaneceu um feriado comunista
até meados dos anos 1960. Em 1975, a ONU reconheceu oficialmente 8 de março
como Dia Internacional das Mulheres.
Os organizadores que reivindicam o Dia
Internacional das Mulheres nesta semana não têm queixas sobre suas origens na
extrema-esquerda, e na verdade tentam restaurar esse espírito.
Em muitos países, o Dia Internacional das
Mulheres permanece um motivo popular de comemoração. Mas isso não quer dizer
que as precursoras do feriado achariam as festividades adequadas. Na Argentina,
o dia "hoje perdeu seu elemento político", enquanto os homens enchem
as lojas para comprar flores e bijuterias para suas mulheres e namoradas. Na
China, muitas mulheres ganham um tempo livre do trabalho, mas observações
públicas tendem a se concentrar em compras e beleza. (No ano passado, um
shopping center ofereceu descontos especiais no Dia das Mulheres para as que
fossem consideradas bonitas por uma máquina de escaneamento.) O Dia das
Mulheres na Armênia dá início a um mês não oficial de comemorações de temática
feminina que culminam no Dia da Maternidade e da Beleza, em 7 de abril.
Nos EUA, o tom vermelho do feriado o fez
cair rapidamente nas graças da corrente dominante, e até alguns anos atrás
poucos americanos tinham ouvido falar nele. Recentemente, porém, conforme as
empresas de marketing digital fluem através das fronteiras nacionais, os
descendentes mais brandos e comerciais da data radical americana voltaram a
nossas praias. Uma coalizão de corporações, incluindo BP e PepsiCo, hoje
promove o Dia Internacional das Mulheres online, com hashtags e temas oficiais.
(O deste ano é #BeBoldForChange [literalmente "Seja ousada para
mudanças"])
Um "Google Doodle" em 8 de março
no ano passado celebrou as "Mulheres dignas de doodles do futuro",
pedindo que mulheres do mundo inteiro falassem sobre suas aspirações, das mais
nobres (melhorar o acesso das meninas à educação) às mais divertidas (nadar com
porcos nas Bahamas). Os americanos hoje podem encomendar um buquê do Dia
Internacional das Mulheres para "homenagear uma mulher inspiradora na sua
vida", ou comemorar comprando perfumes ou maquiagem cuja renda irá para
causas ligadas ao empoderamento feminino. O capitalismo aquece seu feriado
socialista!
A tensão sobre as origens radicais do Dia
das Mulheres não é novidade. Uma história da origem há muito popular dizia que
a data foi definida primeiramente em 1907 para marcar o 50º aniversário de uma
enorme manifestação de trabalhadoras das confecções e têxteis em Nova York,
cujo comício contra os baixos salários e jornadas de trabalho de 12 horas foi
brutalmente reprimido pela polícia. Havia um pequeno problema nessa história
inspiradora: nem o protesto de 1857 nem o tributo de 1907 parecem ter ocorrido
de verdade. Duas historiadoras feministas francesas derrubaram o mito nos anos
1980, ao revelar que o levante do século 19 foi de fato inventado em 1955, em
parte "para separar o Dia Internacional das Mulheres de sua história
soviética".
As organizadoras que reivindicam o Dia
Internacional das Mulheres nesta semana, em contraste, não têm queixas sobre
suas origens na extrema-esquerda, e na verdade tentam restaurar esse espírito
para o dia morno que se tornou. Ashley Bohrer, membro do comitê nacional de
planejamento do Dia Internacional das Mulheres, descreveu a greve em parte como
um esforço para atrair a atenção para o "desligamento do Dia Internacional
das Mulheres de seu passado muito radical na classe trabalhadora". No
início, indicou ela, o feriado muitas vezes foi chamado de Dia Internacional
das Mulheres Trabalhadoras. "Nos últimos anos as pessoas comemoraram o 8
de março como o Dia das Mulheres", disse ela, "mas o que se perdeu
foi a parte do 'trabalhadoras' e a do 'internacional'."
Será interessante ver quantas pessoas
participarão da greve nesta semana e em que termos elas descreverão seu
ativismo. A plataforma oficial da Marcha das Mulheres em janeiro foi
incrivelmente progressista, com apoio ao acesso ao aborto, o movimento
trabalhista e a reforma da imigração. Mas parte do sucesso definitivo do evento
foi que ele manteve a vibração de um assunto amistoso e apartidário. Mães e
filhas (e seus amigos e parentes homens) marcharam juntos no que as
organizadoras chamaram de "exército do amor", e o uniforme quase
oficial do evento foi um gorro de lã felpudo rosa.
Não há nada felpudo e rosa na Greve das
Mulheres. Sua cor oficial é vermelho, a cor da revolução, do comunismo, da
bandeira que flutuou diante da Comuna de Paris em 1871. Ela sugere que
"elas estão abraçando uma história de luta revolucionária", disse a
historiadora Estelle Freedman, cujas áreas de pesquisa incluem as mulheres e os
movimentos reformistas sociais. O vermelho empurra para o lado a discussão
sobre o rosa, disse Freedman, e diz algo mais ousado: "Vamos abraçar o
vermelho da revolução".
FONTE: Aqui
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