terça-feira, 20 de setembro de 2016

Como o achismo torna ainda mais colorido o universo patético em que se move um determinado tipo de jornalismo

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Como o achismo torna ainda mais colorido o universo patético em que se move um determinado tipo de jornalismo

José de Sousa Miguel Lopes

Mão amiga fez-me chegar um texto intitulado Espetáculo de Deltan Dallagnol só serve à impunidade de Lula de um autor que desconhecia. E devo já penitenciar-me por isso. Com efeito, eu estava lendo penosamente o texto quando duas frases me mostraram minha insignificância sobre o que ocorre no mundo letrado do jornalismo. Como foi possível eu não conhecer alguém que a cada texto que publica ou a cada momento em que faz ouvir a sua voz, é capaz de provocar “A gritaria nas redes sociais em razão do que escrevi no blog e afirmei no programa "Os Pingos nos Is", na Jovem Pan, foi gigantesca”? O impacto que estas duas frases provocaram em mim, foi indescritível. Fiquei encolhido, literalmente reduzido à minha insignificância perante o gigantismo do autor que é capaz de provocar abalos tsunâmicos de fazer inveja ao que ocorreu no Japão há pouco mais de cinco anos. Estou supondo que estes abalos se restringem apenas ao Brasil, embora não me custe admitir que possam abarcar também leitores à escala planetária. Como posso, a partir de agora, olhar de frente para qualquer ser humano, se eu não fui capaz de me alimentar das sábias reflexões deste gigante das redes sociais?
Já na introdução de seu texto ele faz um arrolamento de sua verticalidade moral e de sua enorme estatura ética. Resgato alguns de seus considerandos auto avaliativos:
Comigo, ou as coisas são feitas segundo as regras do Estado democrático e (atenção para o conectivo!) de Direito ou não servem. (...) Não serão eles a definir as minhas escolhas. Eu as faço sem levar em conta o que eles pensam. De resto, a minha profissão não é ser antipetista. Não sou funcionário das obsessões alheias.
Como não ficar emocionado com tamanhas provas de grandeza, num mundo tão carente de valores?
Continuei lendo e, mais adiante, confirma-se que, além de sua estatura intelectual, ele continua mostrando aos leitores a razão pela qual reúne em seu ser um “everest” de posturas éticas assombrosas. Diz ele, “nosso” instigante jornalista, que “Sou funcionário apenas das minhas convicções, ancoradas em fatos. Aí, sim!” (...) “Não vivo nem de vaia nem de aplauso”. Não é admirável? Quantos seres humanos podem dar-se ao luxo de ter posturas éticas de tamanha magnitude?
Feita esta breve introdução, imprescindível para que o leitor possa acolher sem reservas suas doutas opiniões, pois que elas, ao fim e ao cabo, são resultantes de um longo e laborioso processo de reflexão, faz-se necessário agora ir ao cerne de sua análise. Que tema este sábio pensador se debruça para nos deleitar com sua enorme capacidade reflexiva? Trata-se de um tema da atual situação política brasileira, mais concretamente, relativo a uma denúncia feita pelo MPF (Ministério Público Federal) no último dia 14 de setembro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Não irei debruçar-me especificamente sobre a natureza desta operação midiática, mas apenas centrar-me no texto de “nosso” jornalista de plantão.
Ele critica a atuação do MPF, porque em sua opinião foi um “show, um espetáculo que repudia por considera-lo contraproducente” (...) tornam nebulosas as razões que justificam a acusação de lavagem de dinheiro (...) estranha entrevista coletiva. E aproveita para postar algumas pérolas produzidas nesse espetáculo, acabando por concluir que “Essas são apenas algumas das passagens em que a precipitação e o gosto pelo espetáculo confundem a denúncia de cometimento de crimes com responsabilização objetiva”. Traduzindo: as denúncias não apresentam fatos objetivos!
Não é difícil concordar com este posicionamento que, aliás, reforça o que o autor já tinha dito no início do seu texto “Sou funcionário apenas das minhas convicções, ancoradas em fatos”.
E termina acariciando de forma afetuosa os seus inúmeros leitores ao afirmar “Os cretinos acham que estou afirmando que Lula é inocente. Não! Eu acho que ele é culpado. O que estou sustentando é que a denúncia é inepta e que a força-tarefa, com o seu gosto pela ribalta, prestou um favor imenso à defesa do ex-presidente”.
E agora, de forma convincente, o jornalista apresenta em seu artigo os fatos que comprovam as denúncias contra o ex-presidente. Eis os fatos indesmentíveis apresentados:
Acho (sic) que Lula, com efeito, é o chefe do petrolão. Acho (sic) que ele era o chefe do mensalão. Na verdade, há 15 anos escrevo que o considero (sic) o chefe de um esquema para assaltar a institucionalidade”. Como se vê, aqui estão as provas contundentes que o autor, de forma brilhante, nos apresenta, baseando-se nesse conceito bastante operativo chamado “achismo”. Basta achar e tudo fica provado. Isto é elementar, meu caro Watson!
Resumo da ópera: o articulista afirma com todas as letras e amparado, como vimos, na sua enorme verticalidade moral, que só aceita fatos e não achismos. Eu poderei dizer que Papai Noel e Saci Pererê, com acabei de falar, têm uma opinião distinta da do “nosso” articulista. E ele dirá que não acredita na existência desses seres e que precisa de provas, fatos que demonstrem sua existência. Pois eu acho que eles existem e não preciso de fatos. Basta eu achar.
Se alguém no MPF acha, se o jornalista acha, porque razão eu não tenho também o direito de achar? Vivemos num Estado de Direito onde a democracia é um valor inquestionável. Eu acho que o fato de Papai Noel e Saci Pererê existirem está sustentado pela prova dos fatos. E desde menino que ouço que “contra fatos não há argumentos”. Então como dizia um famoso personagem da TV brasileira “Não me venha com churumelas!”
O jornalista foi uma vítima de seu patético discurso. Aquilo que ele condena é exatamente o que ele usa com o maior despudor e “inocência”. Se isto não é viver num mundo patético, é o quê? Mas fechemos com chave de ouro, estas minhas considerações. E nada melhor que pedir apoio ao nosso instigante jornalista, pois ele fecha seu texto com esta preciosidade “Se a Procuradoria-Geral da República não botar ordem na bagunça, o resultado será a impunidade”. E atrevo-me a pedir apoio a quem de direito para que não impeça que textos coloridos e patéticos como o de nosso articulista continuem a tornar nossa vida mais suportável e encantadora


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