A falência do ensino brasileiro não é de seus professores
A falência do ensino brasileiro não é de seus professores
Vladimir Safatle
30/09/2016
Depois
de um anúncio catastrófico do projeto de reforma educacional do ensino médio
proposto por aquilo que alguns chamam de "governo", esta semana viu
uma sucessão de esforços para tentar vender à população a tese de que enfim
chegaram as ações esperadas.
Órgãos
de propaganda do dito "governo" travestidos de revistas semanais apresentaram
o projeto como um conjunto de medidas corajosas que visariam revolucionar o
engessado ensino brasileiro. O senhor que ocupa o cargo de ministro da Educação
apareceu enfim para tentar defender o projeto feito por sua equipe, isto
enquanto o próprio Michel Miguel ligava não para especialistas em educação, mas
para Fausto Silva, vulgo Faustão, para convencê-lo da grandeza do projeto
criticado pelo referido.
Que
uma das primeiras medidas do "governo" fosse intervir na educação
nacional, eis algo que não deveria surpreender ninguém. O projeto apresentado
nem de longe expressa alguma preocupação real com o aumento da qualidade de
nossas escolas e com o desenvolvimento integral de nossos alunos. Seus eixos
centrais são a segregação, a precarização da atividade docente e o puro e
simples obscurantismo.
Não
é de admirar que a verdadeira equipe que produziu este projeto seja composta
por "especialistas" que trabalham há décadas nos governos FHC, em
Brasília, sob a batuta do ilibado José Arruda e nos governos tucanos de São
Paulo, com resultados pífios e medíocres. De fato, não poderia ser diferente,
já que a regra dessas senhoras e senhores é impor uma visão tecnocrata que
despreza a inteligência prática de professores envolvidos nos processos de
ensino, sendo os únicos realmente capazes de indicar o que funcionaria e o que
não funcionaria.
Contrariamente
ao que se tentou vender, este país fez mudanças drásticas e constantes no
ensino nas últimas décadas. Todas pecaram por desprezar os saberes daqueles que
estão diretamente envolvidos nos processos, dando voz a burocratas e
tecnocratas que nunca pisaram em uma sala de aula ou que não fazem isto há
anos. A falência do ensino brasileiro não é de seus professores, mas de seus
tecnocratas de gabinete.
Veja
três características mestras da dita reforma. Primeiro, ela cria diferentes
possibilidades de escolhas para os estudantes depois de um período comum de um
ano e meio. Eles poderão ter concentração de disciplinas em linguagens,
matemática, ciências da natureza, humanas e ensino técnico. Até aÍ, nenhuma
polêmica. Há anos todos os realmente envolvidos com educação insistem que os
alunos devem poder escolher disciplinas mais próxima de seus interesses. Mas,
como o diabo mora nos detalhes, a questão é: as redes e escolas podem não
oferecer aos alunos todas as opções de concentração. Ou seja, você dorme com a
promessa de uma escola mais diversa e acorda com a realidade de uma escola
onde, por exemplo, a concentração de humanas não existe, onde o eixo de todos
os esforços é o ensino técnico. O resultado será abrir as portas para uma
segregação que consistirá em levar as escolas em regiões mais carentes a cada
vez mais oferecer ensino técnico, cuja empregabilidade é mais rápida, porém
muito mais precária.
Por
outro lado, qualquer programa minimamente sério começaria por qualificar melhor
o corpo docente. Mas isso passaria por acabar, de uma vez por todas, com a
precarização e os salários vergonhosos dos professores, uma das maiores razões
para que nossos melhores alunos não queiram mais ser professores. O que há a
esse respeito na dita reforma? Nada. No entanto, o projeto prevê que poderão
ser contratados professores sem licenciatura, portadores de "reconhecido
saber". Dificilmente haveria proposta mais absurda e irresponsável. Como
dizia Hegel, não é porque todos têm mãos que todos podem produzir sapatos. Mas
um governo que apresenta uma proposta como essa despreza os conhecimentos
técnicos necessários para a docência.
Por
fim, havia a proposta medíocre de transformar artes, educação física, filosofia
e sociologia em matérias não obrigatórias. Agora, a BNCC decidirá o destino,
mas a pedra já está cantada. De fato, para os tecnocratas a sociedade não deve
precisar de cidadãos que conheçam conceitos como conflito social, desencantamento
do mundo, anomia social, modernização reflexiva, ética, moral, classe,
consciência, razão, estética, lógica, pensamento crítico. É verdade, para votar
em Michel Miguel e sua turma, é melhor não saber nada disso.
FONTE: Aqui
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