Ciência, pseudociência e dragões
Ciência, pseudociência e
dragões
Em
seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, Carl Sagan busca explicar essa
diferença crucial entre a ciência e a pseudociência. E, para isso, ele propõe
uma brincadeira. Imagine que um amigo seu lhe diga que existe um dragão morando
em sua garagem. Você certamente vai querer conferir. Então você segue seu amigo
até a casa dele e não vê nada.
“Onde
está o dragão?”
“Ah,
esqueci de dizer”, explica o amigo, “trata-se de um dragão invisível”.
Você
então propõe espalhar farinha no chão para visualizar as pegadas do dragão. Mas
não daria certo porque ele flutua. Que tal então usar infravermelho para
detectar o calor do fogo do dragão? Também não daria certo, porque o fogo do
dragão é desprovido de calor. E se jogarmos tinta aleatoriamente pelo ar, e aí
acertamos uma parte do dragão? Seria uma boa ideia, se o dragão não fosse
incorpóreo, então a tinta não vai pegar.
Você
pensou em várias maneiras de TESTAR a hipótese do seu amigo de que existe um
dragão na garagem. Se você fosse incapaz de REFUTAR essa hipótese com os seus
testes, você teria evidências da existência do dragão. Mas, do jeito como lhe
foi apresentado o problema, você não consegue nem sequer fazer os testes. A
hipótese do seu amigo não é FALSEÁVEL. Lembra da explicação do método
científico de Karl Popper? Aquele dos gansos?
A ciência
funciona assim. O método científico consiste em testar hipóteses. Os testes são
feitos para tentar falsear a hipótese, ou seja, para tentar negá-la. Se for
impossível negar a hipótese (lembra do exemplo da pizza?), a ciência aceita que
essa hipótese é verdadeira. Pelo menos até que alguém seja capaz de refutá-la.
Se isso acontecer, a hipótese deixa de ser verdadeira, e torna-se necessário
buscar outra hipótese. A ciência não é um conjunto de informações, como
geralmente as pessoas pensam. A ciência é uma maneira de pensar. A ciência
precisa do ceticismo e do pensamento crítico para buscar os fatos e a verdade.
E, ao contrário do que se imagina, o cientista tem perfeita consciência de não
saber a verdade absoluta. Ele sabe ter a melhor hipótese naquele momento. E é
justamente essa consciência que faz com que a ciência e o método científico
sejam confiáveis para testar se algo funciona ou não.
Para
testar um medicamento novo, por exemplo, um novo antibiótico, você precisa
partir de uma observação. Imagine que, ao trabalhar com bactérias, você percebe
que o composto X mata uma boa parte delas. O composto X parece um bom candidato
a antibiótico. Mas ele precisa ser testado. O próximo passo é testar o composto
X em uma cultura de bactérias. Você coloca o composto em um tubo de cultura com
bactérias, e elas morrem. Legal, tudo indica que você acertou. Mas isso ainda
não é suficiente. Você precisa pensar em mais testes para NEGAR sua hipótese. E
se as bactérias morreram por causa de algum outro componente do meio de cultura
onde elas estavam?
Você
testa novamente o composto X, e desta vez você faz um tubo controle. Seu
controle terá todos os componentes necessários para o meio de cultura da
bactéria, MENOS o composto X. Se elas morrerem mesmo assim, então não é o X que
mata as bactérias e sua hipótese foi negada. Mas as bactérias cultivadas sem o
X sobreviveram. Ótimo, vamos pensar em mais um teste. Você sabe que essa
bactéria é letal em ratos. Vamos inocular os ratos com a bactéria, e trata-los
com o X. Se eles morrerem mesmo assim, o X não funciona.
Os
ratos sobreviveram. Mas isso não basta para confirmar a hipótese. E se os ratos
sobreviveram por algum outro motivo? Precisamos de outro controle. Vamos
dividir os ratos em dois grupos. Só um grupo de ratos vai receber o X. O outro
vai receber um líquido similar, mas sem o composto X. Após o experimento, você
vê que os ratos que tomaram o composto X sobreviveram e TODOS os outros
morreram. A ÚNICA diferença entre os ratos que sobreviveram e os ratos que
morreram foi o composto X. Agora sim, você tentou refutar sua hipótese de
várias maneiras e ela resistiu. O composto X é muito provavelmente um
antibiótico. UFA! Exaustivo, não? Mas é assim que se faz ciência.
Vamos
voltar ao dragão, e aplicar nele o método científico. Vamos supor que fosse
possível detectar as pegadas do dragão. Ou seu fogo. Em outras garagens, a
mesma técnica de espalhar farinha e usar raios infravermelhos detectaria outros
dragões. Esses experimentos seriam reproduzíveis por qualquer pessoa. No mundo
todo, cientistas usariam farinha e raios infravermelhos para detectar dragões.
Garagens desprovidas de dragões seriam usadas como grupo controle. Nestes
casos, a farinha e o infravermelho seriam incapazes de detectar qualquer sinal,
pois nessas garagens sabidamente não haveria dragões. Seria possível detectar
dragões onde havia evidências de sua presença, e seria impossível detectar
dragões em garagens onde eles certamente não estariam presentes. Teríamos,
então, evidências suficientes para dizer que sim, existem dragões nas garagens
de algumas pessoas, e poderíamos descobrir em quais garagens eles estão.
Mas
se o dragão é invisível, não emite calor e é incorpóreo, a hipótese não pode
ser testada. Você precisa simplesmente acreditar que o dragão existe. Assim
funcionam as crenças religiosas e as pseudociências. A diferença é que as
crenças religiosas – pelo menos a maioria delas – admitem que são movidas pela
fé. Elas admitem que são crenças. Não tentam enganar nem iludir os seus fiéis
dizendo que podem provar cientificamente a existência de Deus, aparições de
santos ou milagres. A pseudociência, no entanto, finge-se de ciência para
enganar o público. Utiliza a linguagem da ciência e busca o endosso dos
cientistas para vender uma ideia, um produto ou um serviço. Algumas são
inócuas, como a astrologia. Que mal faz olhar o horóscopo? Quem pratica a
astrologia não está fazendo mal a ninguém. Mas as pessoas têm o direito de
saber que astrologia não é ciência. O mesmo ocorre com a medicina alternativa,
homeopatia, uso de cristais terapêuticos, florais, cura pelas mãos, reiki,
energias curativas e afins. Todas essas práticas são pseudociências, e algumas
delas são tão difundidas que vão ganhar um post próprio. E nem todas são
inofensivas para a sociedade. Nos próximos posts, vou abordar a prática da
astrologia, homeopatia e acupuntura. E falarei também do efeito placebo.
Não
pretendo criticar nem condenar as pessoas que adotam essas práticas. Defendo a
liberdade de cada um de acreditar no que bem entender e usar aquilo que lhe
convier, desde que não cause danos a ninguém. Pretendo simplesmente demonstrar
que não são práticas científicas. Não podem ser explicadas pela ciência, ou
abordadas pelo método científico. Pode até ser que funcionem. Mas não são
ciência, não se encaixam no método científico e não são reproduzíveis. Portanto
não podem se valer do endosso da ciência para comprovar sua suposta eficácia.
Até
hoje, não se conseguiu provar pelo método científico que essas práticas
funcionam. Também não se pode provar que não funcionam. Elas são como o dragão
na garagem. Eu não posso provar que ele NÃO existe. Assim como não posso provar
que Papai Noel não existe. Eu posso apenas apontar as MUITAS evidências em
contrário. E também posso indagar, assim como Carl Sagan, qual seria a
diferença entre um dragão invisível, incorpóreo e que não emite calor, e um
dragão inexistente?
Admito
que há coisas que a ciência não explica. O fato de eu ter tomado sete xícaras
de café para escrever este post e ser perfeitamente capaz de ir dormir em
seguida – apesar de a cafeína ser comprovadamente um estimulante – é um
exemplo. Mas certamente o fato de a ciência não conseguir explicar certos
fenômenos não lhes confere credibilidade.
FONTE:
Aqui
Leia "Pseudociência: Um dragão em minha garagem" de Leonardo Koerich clicando aqui
Para assistir ao vídeo "Ciência e pseudociência: "Aqui há dragões - introdução ao pensamento crítico" clique aqui
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