'Cada universidade deveria ser livre para inventar', diz Manuel Castells
'Cada
universidade deveria ser livre para inventar', diz Manuel Castells
Palestrante do encontro
Educação 360, sociólogo reflete sobre a faculdade na era da informação.
Marta Szpacenkopf
21/08/2016
RIO - Autor da trilogia “A Era da informação: economia, sociedade
e cultura”, o espanhol Manuel Castells é conhecido mundialmente por seus
estudos sobre as redes sociais e o impacto do dilúvio de informações na
civilização de hoje. O sociólogo será um dos principais palestrantes do
Educação 360, encontro que acontece nos dias 23 e 24 de setembro, realizado
pelos jornais O GLOBO e “Extra”, em parceria com Sesc e Prefeitura do Rio com
apoio da TV Globo e Canal Futura. Nesta entrevista, o acadêmico, que vai
dissertar sobre o papel das universidades na atualidade, elogia as melhores
faculdades do Brasil, mas critica o cenário do ensino superior nacional,
dizendo que a maioria das instituições é voltada para o lucro e, muitas delas,
com baixa qualidade. Sobre a escola, ele prega uma mudança na formação de
professores, em direção a um modelo de ensino menos autoritário e mais
participativo.
Em seus livros, há uma reflexão intensa sobre a sociedade
estruturada em rede. Qual é o impacto dessa realidade na educação?
A sociedade em rede viabiliza focar ensino e aprendizagem na
análise de informação para transformá-la em conhecimento e habilidade para
estudantes de todos os níveis, aumentando sua autonomia e transformando os
professores em líderes desse processo. Um pouco nos termos do método Paulo
Freire, mas agora apoiado por uma tecnologia poderosa. Porém, os professores
precisam de nova formação, não para o uso da internet, já que eles são usuários
assíduos, mas em termos de que tipo de pedagogia seguir. Para isso, é
necessária uma melhora na educação e nas condições de trabalho. Por outro lado,
a escola precisa evoluir de um modelo autoritário para um participativo, com
uma rede interativa entre professores, estudantes, administradores e pais. Essa
é a reforma necessária para levar ao sistema escolar as promessas e
possibilidades da sociedade em rede.
E como tudo isso influencia na estrutura das universidades?
As universidades se tornaram globalmente conectadas usando
amplamente informação e tecnologia da comunicação. Internamente, os estudantes
interagem constantemente entre si e com seus professores, compondo de fato uma
comunidade virtual, ao mesmo tempo em que eles também interagem no mundo real,
no campus e em sala de aula. Materiais necessários para ensino e pesquisa podem
ser acessados on-line. Atualmente, 97% da informação no mundo está digitalizada
e 80% está disponível na internet e em outras redes. Esse fenômeno levou ao
rápido desenvolvimento de universidades virtuais, operando inteiramente em
plataformas digitais, estendendo o alcance da educação superior para pessoas
que já têm vida profissional ou não podem estar fisicamente presentes numa
universidade. Mas, de certa forma, todas as universidades hoje em dia são
parcialmente virtuais, já que todos os professores e estudantes estão
interconectados, criando um ambiente híbrido composto por interações virtuais e
na vida real.
Quais os obstáculos no caminho das principais funções das
universidades?
As principais funções da universidade são: treinamento da força de
trabalho; produção e distribuição de conhecimento; geração e difusão de valores
sociais, seja para conservar valores tradicionais, seja para contribuir com
mudanças culturais; e promoção de mobilidade social ao viabilizar educação de
nível superior para as pessoas de classes menos abastadas terem chances de
mobilidade em termos profissionais e intelectuais, mesmo não sendo parte de
famílias influentes. Algumas dessas funções são difíceis de articular, como o
conflito entre ensinar bem e publicar para os professores, a contradição entre
mobilidade social para um grande número de pessoas e educação de qualidade
restrita a uma pequena elite e o contraste entre o potencial das tecnologias de
rede e a tradição de burocracias verticais como formato prevalecente das
universidades.
Como essas dificuldades podem ser superadas?
Não existe uma receita de bolo para superar essas diferenças, cada
universidade deveria gerenciar seus próprios processos e ser livre para
inventar. Isso requer verdadeira autonomia para as universidades, sem a
interferência de governantes. Os governos deveriam fornecer verba de acordo com
as necessidades da sociedade, mas as universidades decidiriam por elas próprias
como usar esses recursos. Porém, a verba seria distribuída segundo o
cumprimento de metas estabelecidas pela sociedade, não pelo mercado. Essa
avaliação incluiria não só excelência acadêmica, como também qualidade de
ensino e promoção social para todos, abrindo a universidade para os menos
privilegiados.
Quais os pontos positivos e negativos do modelo de universidade
adotado no Brasil? O que o senhor acha que precisa ser melhorado?
Meu amigo Fernando Henrique Cardoso uma vez disse que o Brasil não
é um país pobre, mas um país injusto. A mesma coisa se aplica às universidades.
Apesar de algumas falhas burocráticas, as maiores universidades públicas do
Brasil são comparáveis àquelas dos Estados Unidos e da Europa. A Universidade
de São Paulo produz cerca de 40% dos artigos científicos da América Latina e é
completamente conectada com redes de pesquisa globais e com as tendências de
ideias que moldam o mundo do pensamento e da inovação. Pode-se dizer algo
similar sobre várias das maiores universidades federais, e elas são
relativamente acessíveis para a classe média. No entanto, a grande maioria das
universidades brasileiras é particular, voltadas para o lucro, muitas delas de
péssima qualidade, porque o que conta é a habilidade de produzir diplomas que
supostamente ajudam a arrumar emprego. Sim, é sempre melhor ter um diploma do
que não ter, mas no geral muitos desses diplomas são na verdade treinamentos
profissionais para especialidades de curto prazo que podem desaparecer amanhã.
A classe média, uma minoria no Brasil, se beneficia de boas e acessíveis
universidades públicas, enquanto as famílias de baixa renda se desdobram para
pagar mensalidades altas para mandar seus filhos para universidades
particulares de baixa qualidade. O Brasil deveria fazer como o Chile, que
estava em situação semelhante e adotou severa regulação governamental no
sistema de universidades particulares com fins lucrativos.
FONTE: Aqui
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