Bibliófilo encontra versão inédita de poema de Fernando Pessoa
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Pessoa, em 1929, em foto do
livro 'Fernando Pessoa. Uma Fotobiografia', de Maria José de Lancastre
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Bibliófilo encontra versão inédita de poema de Fernando Pessoa
MAURÍCIO
MEIRELES
COLUNISTA DA FOLHA
11/06/2016
A crise econômica em Portugal, que
começou em 2008, fez surgir nos alfarrabistas –os sebos lusitanos– raridades de
um tempo perdido. Documentos e livros raros de colecionadores, quase sempre
anônimos e precisando de dinheiro, brotaram da poeira dos séculos.
Quem pode faz a festa nessas horas.
Foi o caso do bibliófilo e advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho. No ano passado,
ele recebeu a ligação de um alfarrabista português, que queria vender um
"livro de autógrafos" com um manuscrito de Fernando Pessoa na última
página.
Alfarrabista é bicho esperto, mas às
vezes se engana. É verdade que nem Cavalcanti se deu conta, mas a poesia no
caderno, que começa com "Cada palavra dita é a voz de um morto"
–aparentemente conhecida–, é uma versão inédita de texto do qual até hoje só se
conheciam rascunhos.
Arquivo
Pessoal e Reprodução
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Acima, um dos rascunhos do
poema no acervo de Pessoa; em baixo, o poema inédito encontrado agora
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Também é a única versão íntegra e
clara do poema. Para se ter ideia, mesmo quem não é especialista na caligrafia
de Pessoa –que escrevia garranchos, às vezes bêbado– consegue lê-la.
Conclui-se, do documento, que o escritor registrou ali a versão final do texto.
Nem o acervo do autor, guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, tem a
poesia.
O caderno ainda guarda uma história
inusitada. Ele pertenceu a o intelectual português José Osório de Castro e
Oliveira. Aos 13 anos, em 1913, viajando do Rio a Lisboa, ele pedia para os
passageiros escreverem o que quisessem.
O navio König Wilhelm 2º, no qual
estava Osório, era o mesmo em que Fernando Pessoa foi da África do Sul para
Lisboa em 1901.
Jeca, como sua mãe lhe chamava,
cresceu e continuou a usar o caderno. Em 1918, pediu a Pessoa para escrever
algo –e ganhou o poema.
"Nem o dono do caderno nem o
alfarrabista sabiam que o poema era inédito. Senão, teria custado três vezes
mais", conta Cavalcanti, que não revela o valor pago. Antes disso, ele
–que tem uma das maiores coleções privadas de Pessoado mundo
(veja abaixo)– já havia comprado a mesa e a escrivaninha do poeta por 95 mil
euros (hoje R$ 365 mil).
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Nem o bibliófilo se deu conta do que
tinha em mãos. Ele diz que foi depois de uma conversa com Richard Zenith, um
dos principais estudiosos da obra pessoana no mundo, que resolveu checar.
A fonte de consulta nessas horas são
as edições críticas com a obra de Pessoa que a Casa da Moeda lusitana tem
publicado nas últimas décadas. Quem olha o volume organizado por João Dionísio,
em 2005, com poemas de 1915 a 1920, pode atestar que a versão no documento é
inédita –e sem lacunas, como as conhecidas até hoje.
Por via das dúvidas, a Folha pediu a Jerónimo Pizarro, pesquisador
da Universidade de Los Andes, na Colômbia, e líder de uma nova geração de
estudiosos da obra do poeta, para avaliar uma imagem do documento.
"É a caligrafia de Pessoa sim.
Ele devia ter dois ou três rascunhos e, como tinha que deixar uma lembrança
nesse caderno, pegou os papéis e registrou uma versão mais limpa. A descoberta
esclarece muito a situação do poema", afirma Pizarro.
O
poema
Cada palavra dita é a voz de um
morto.
Aniquilou-se quem se não velou
Quem na voz, não em si, viveu absorto.
Se ser Homem é pouco, e grande só
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em nós
Do universo que por nós roçou
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.
Aniquilou-se quem se não velou
Quem na voz, não em si, viveu absorto.
Se ser Homem é pouco, e grande só
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em nós
Do universo que por nós roçou
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.
Arquivo
Pessoal
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A primeira página do caderno
de autógrafos do colecionador José Paulo Cavalcanti
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FONTE:
Aqui
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