Contardo Calligaris: Excesso ou falta de sentido?
Excesso ou falta de sentido?
Contardo Calligaris 16/07/2015
Tempo atrás, postei no meu Twitter:
"Angústia é descobrir que somos pedaços de carne largados num planeta
perdido e menor, e que tudo isso não faz sentido algum". Talvez esse seja
meu post mais popular, o que mais foi e continua sendo retuitado.
Sigo concordando com ele: há uma
dimensão da angústia que provém da sensação de sermos reduzidos a um aglomerado
de células sem história e sem palavras explicativas, ou seja, sem nada que diga
por que e para o quê existimos (nós e o mundo).
Prova disso, há um exercício
comportamental que pode aliviar as crises de angústia e pânico: a gente
relembra (articulando as palavras) quem somos, onde estamos, quem são nossos
próximos, o que fazemos, com quem nos relacionamos etc. O sofrimento é acalmado
pela evocação de um sentido qualquer para nosso momento de vida e nosso lugar
no mundo.
Do lado oposto, existem delírios de
referência tão flóridos que, numa fuga acelerada do pensamento, o indivíduo
passa a acreditar que absolutamente tudo faz sentido –por exemplo, tudo se
refere a ele, e o mundo só fala nele. Esses momentos de excesso de sentido são
tão dolorosos quanto o deserto de uma crise de angústia.
Você acha o excesso de sentido mais
raro do que sua falta? Não sei. Há uma sutil fronteira entre o excesso de
sentido de um delírio paranoico e o que acontece a cada hora na internet, na
evocação de cumplicidades ocultas e complôs escusos graças aos quais nada é por
acaso: tudo o que acontece tem sentido.
Entre esses dois extremos (a
derrelição e o pleno sentido) se situa o sofrimento comum, numa espécie de
incerteza: sofremos pela falta do sentido ou por seu excesso? Melhor dito,
sofremos MAIS pela falta ou pelo excesso de sentido?
Na coluna da semana passada,
perguntava-me se as religiões (que dão sentido a nossas vidas) são necessárias
para aguentarmos viver.
A pergunta agora pode ser mais
complexa: a religião (como exemplo do que pode dar sentido à nossa vida) é um
remédio contra a angústia do nada, mas não pode ser ela a fonte do sofrimento
que vem do excesso de sentido?
Além disso: será que precisamos de
sentido ou poderíamos viver sem sentido algum? Não sei responder.
Constato que, em qualquer terapia
pela palavra, coexistem duas atitudes opostas.
Há a tentativa de aliviar e curar o
sofrimento revelando, descobrindo ou inventando um sentido para os
acontecimentos da vida (é a atitude do conselheiro espiritual, do padre, mas
também pode ser a do psicoterapeuta, no exemplo que dei antes, para reagir a
uma crise de pânico).
E há a tentativa de aliviar e curar
o sofrimento criticando e denunciando o sentido, como se fosse sempre uma
ilusão. É a atitude de quem aposta que seja possível pegar mais leve na vida
–viver sem precisar atribuir um sentido ao que ocorre e ao que fazemos.
A própria psicanálise oscila entre
essas duas atitudes, ou seja, entre interpretações que preenchem nossa vida e
nossa história de sentido e outras que revelam que o sentido de tal ou tal
outro momento de nossa vida é quase sempre uma ficção ou, pior, um engodo.
Talvez essa oscilação seja a
consequência inevitável do fato de que o sofrimento de quem pede ajuda a um
terapeuta oscila mesmo entre o excesso e a falta de sentido.
Nenhum sentido parece ser suficiente
para responder ao sentimento de derrelição, mas os sentidos que inventamos são
sempre em excesso –um pouco como aquele neurótico que, para se impedir de
desejar as pernas da irmã, que sempre usava saia curta, decidira tapar com
toalhas longas as pernas de todas as mesas de casa.
O excesso de sentido é algo que
conhecemos bem: a maioria de nossos sintomas são produzidos por ele –vivemos
para expiar uma culpa, agimos para mostrar rebeldia, para ganhar aprovação
etc.: os afetos da infância pesam em cima de nós, dão um sentido à nossa vida,
mas nos oprimem.
O sentido oferece uma compensação:
somos "pesados", viajamos cheios de malas, mas nossa viagem é, por
assim dizer, justificada –ela acontece por alguma razão, que podemos até
ignorar, mas que supomos e graças à qual acreditamos que não estamos no mundo à
toa.
O que conhecemos menos é a leveza
que seria possível se conseguíssemos parar de procurar desesperadamente um
sentido –sem cair no desespero ao descobrir que talvez, de fato, não haja
sentido algum.
Fonte: Aqui
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