Em livro, jornalista descreve como e quem deu início à pirataria digital
THIAGO NEY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA - 21/07/2015
Em 4 de junho de 2002, Eminem esperava se consolidar como um dos
maiores popstars do planeta com o lançamento de "The Eminem Show".
Mas, 25 dias antes da chegada do CD às lojas, o rapper americano tomou um
susto: as 20 músicas do álbum estavam disponíveis na internet. De graça.
O responsável por distribuir as faixas foi Dell Glover, que
trabalhava em uma fábrica de CDs da Universal Music nos Estados Unidos.
Eminem não foi o único –Jay-Z, Queens of the Stone Age, U2, Kanye
West e centenas de outros artistas estão entre as vítimas de Glover, que entre
o fim dos anos 1990 e o início de 2007 montou um esquema para tirar os discos
da fábrica e levá-los para casa, onde digitalizava o material e o passava para
um grupo de piratas digitais chamado RNS (de Rabid Neurosis, ou neurose
raivosa, em português).
Glover é considerado o "paciente zero" da pirataria pelo
livro "Como a Música Ficou Grátis", do jornalista americano Stephen
Witt, que acaba de sair no Brasil.
É a primeira vez que um livro descreve como e quem alimentava a
pirataria digital, atividade que ajudou a fazer despencar o faturamento da
indústria fonográfica –de US$ 38 bilhões em 1999 (o equivalente, hoje, a US$
54,4 bi, ou R$174,8 bi ) para US$ 14,9 bilhões (R$ 47 bi) em 2014.
Além de Glover, o livro descreve a criação do MP3, formato padrão
da música digital, e como as gravadoras, personificadas na figura de Doug
Morris, ex-chefe da Universal Music, lidaram com a pirataria. Stephen Witt
falou à Folha.
Folha - Por que quis investigar a pirataria na
música?
Stephen Witt - Eu fui um pirata obsessivo. Em 1997, quando iniciei
a faculdade, tinha um computador com uma capacidade mínima de armazenamento.
Então comecei a piratear discos. Depois de dez anos, formei uma biblioteca
gigantesca de músicas. E há pouco tempo me perguntei: de onde vieram todos
esses arquivos? E foi aí que pensei em escrever o livro.
Se as gravadoras tivessem reagido de maneira
diferente à pirataria, poderiam ter impedido a disseminação?
Iriam sofrer de qualquer jeito. Porque, hoje, dá para baixar só
músicas em vez de discos inteiros. Mas as gravadoras não agiram corretamente.
Estavam satisfeitas com a receita gerada pelos CDs e achavam que esse formato
iria durar muito. Poderiam ter criado um sistema de distribuição de músicas por
assinatura, mas não quiseram. Foram mais de dez anos de sofrimento.
Quais eram as motivações daqueles que pirateavam
música? Ganhar dinheiro?
Eu era um desses garotos, e definitivamente dinheiro não era uma
motivação. A motivação era criar ou pertencer a uma comunidade em que se podia
trocar músicas de forma gratuita e democrática.
O que você faria se o seu livro fosse pirateado?
Já estão fazendo isso! Piratearam o livro um mês antes de ser
publicado. Eu fico impressionado, empolgado até com a atenção que o livro
desperta. Mas, claro, a minha editora não concorda.
Como você chegou até Glover?
Eu me interessei por esse grupo underground que se autointitulava
The Scene (a cena). E o FBI realizou várias investigações que tinham esses
caras como alvo. Nos EUA, há o Pacer (Public Access to Court Electronic
Records), banco com informações do sistema judiciário desde 1988.
Ali encontrei o caso de Dell, e na hora me interessei por ele.
Sozinho, ele havia causado mais danos à indústria da música do que todos os
outros que eu havia checado somados. Achei um perfil no Facebook que poderia
ser o dele. Mandei uma mensagem e, no dia seguinte, ele me ligou.
Por que as indústrias do cinema e a de livros
não foram tão afetadas pela pirataria digital como a da música?
Porque essas indústrias são diferentes, especialmente por um
detalhe. Nós éramos obrigados a comprar um disco mesmo que gostássemos apenas
de uma música. Dá para dissociar a canção do disco. Com filmes e livros, temos
apenas um produto. Além disso, esses caras que começaram a pirataria eram muito
jovens, a música era a coisa mais importante para eles. E, no início, os filmes
eram mais difíceis de serem pirateados, eram arquivos muito maiores, e a
internet não era rápida.
Quando foi a última vez que você comprou um
disco?
Há muito tempo, nem me lembro. Mas assino o [serviço de streaming]
Spotify, pago US$ 120 [R$ 385] por ano por uma biblioteca enorme. E, até para
saber como o streaming funciona, assinei outros serviços, como o Tidal e o
Apple Music. Mas uma hora vou ficar apenas com um deles.
A música perdeu valor com a chegada do MP3?
O MP3 certamente mostrou que muita gente não queria gastar muito
com música, mas não diminuiu o valor dela em si. Gostamos de música como antes,
mas está mais difícil ganhar dinheiro com ela. A música era tratada como uma
commodity, íamos a uma loja e comprávamos um disco. Hoje está ao nosso alcance
todo o tempo.
Muita gente critica a qualidade do MP3. Você concorda?
No início havia uma diferença notável na qualidade. Hoje, a
maioria das pessoas não consegue diferenciar o som do MP3 do som do CD. O que
interessa é poder levar a música para onde você for.
COMO A MÚSICA FICOU GRÁTIS
AUTOR Stephe Witt
TRADUÇÃO Andrea Gottlieb
de Castro Neves
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 24,90 (e-book) e
R$ 39,90 (272 págs.)
Fonte: Aqui
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