MIA COUTO: "Guardar memórias, contar histórias e semear o futuro"
As memórias de Mia Couto habitaram os 80 anos UFRGS. Durante a Aula Magna 2014/2, para uma plateia que desde as primeiras horas da manhã formou fila para assistir o escritor, Mia Couto fez confissões, contou passagens que o constituíram como poeta e deixou um recado sobre a fugacidade do tempo no presente.
“O que eu venho trazer aqui é uma espécie de confissão, e episódios que vivi e que se constituíram como espécie de referências, de pilares como escritor”, disse o moçambicano logo no início de sua conferência. A partir daí, falou de sua infância, das histórias que ouvia dos pais antes de dormir, do balé das saias das mulheres na cozinha de sua casa, enquanto fazia as lições escolares. “No chão da cozinha que me fiz poeta”, contou.
Filho de imigrantes portugueses que viviam em Beira - Moçambique, cidade onde nasceu, Mia Couto lembrou a África colonial daqueles anos, em que havia uma forte divisão entre o lado europeu e o “outro”, que era o negro africano. Esse lado africano foi sentar em seu quarto, como contou Mia Couto nesta manhã. O escritor colocou também, como elementos constituintes de sua personalidade, a força da oralidade moçambicana e os momentos de guerra. Seu país viveu 16 anos de guerra civil, que deixou mais de um milhão de mortos, e que só teve fim com a paz assinada em 1992.
Na Aula, Mia Couto não teve a pretensão de professar e transmitir ideias, mas compartilhar momentos em que o tempo tomou conta de si. “Eu vivi esses momentos, como se o verbo viver não fosse o suficiente, não fosse o bastante. Essas lembranças, esses tempos habitam o hoje, como se fossem sonhos, como se fossem os únicos sonhos a que tenho acesso. É como se eles tivessem chegado a um entendimento: não somos nós que guardamos lembranças, ao contrário, as lembranças é que nos guardam a nós. As memórias, que parecem etéreas, fragmentadas, elas são uma postura ética, que constrói essa totalidade que é nossa alma.”
O escritor afirmou que devemos ser sujeitos, autores da nossa própria narrativa, que é nossa vida. Disse que vivemos em tempo em que tudo nasce transitório, nasce já morrendo, estamos à espera que chegue a última versão. “Estamos correndo, é uma espécie de corrida infrutífera para não ficarmos desatualizados. Então, vivemos nesse tempo que tudo é simultâneo, que tudo é imediato, tudo é voraz.”, colocou, e se perguntou “Como isso aconteceu?”. Ao que respondeu: “Eu acho que é uma coisa que se chama ‘o mercado’, que eu acho que é uma coisa muito terrível, por não ter rosto, nem tem nome. Impôs-nos um outro tempo, um tempo do consumo, que se consome a si próprio e que nos consome a nós. Nós lamentamos sempre ‘não temos tempo’, mas eu acho que nós não precisamos de mais tempo, nós precisamos de um tempo que seja nosso. Já não é uma questão de quantidade é uma questão de soberania, e nesse tempo que seja nosso, nós temos que encontrar intimidade com as coisas que nos são próximas”.
Ao encerrar, reforçou o poder das histórias: “Eu acredito que as histórias não salvam o mundo, mas podem incutir o desejo da utopia e do mundo em mudança. A gente pensa que contar histórias é uma competência dos escritores, não é. Todos nós somos produtores e somos produtos de pequenas histórias”.
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