domingo, 22 de dezembro de 2013

"Venho de um jardim distante" – Adão Cruz

Venho de um jardim distante florido de memórias ou de um outro sonho qualquer entre risos e lágrimas caindo de um céu de chumbo ou de um céu de magnólias.
Venho do seio do orvalho da madrugada num punhado de vida libertada em qualquer rumor de passos brincando nos telhados acesos pela luz do dia.
Venho de um jardim distante onde grinaldas de flores abrilhantam a festa do azul dos tempos no incêndio do crepúsculo ou no ardor da manhã do meu berço de mistério e universo.
Venho das esquinas do tempo em recordações avulsas ao sabor das pontes da vida rasgando a cor do vento que assobia nas ruas estreitas mordendo as pedras com punhais de silêncio.
De onde venho ninguém sabe.
Venho talvez da intimidade salgada do mar ou de um jardim distante com um rio de passos e palavras salpicado de pedaços de sol num rosário de pérolas mordendo a neblina do nascer da vida.
Venho quem sabe da nudez adormecida no espesso silêncio do tempo destinado à simplicidade da morte pelo sinuoso caminho de recordações perdidas no chão fundo das angústias e nos retalhos do nevoeiro
Venho talvez das sombrias entranhas prenhes de fulvos e ilusórios tesouros que emergem do fundo do mar sublimados de cor e luz à superfície traiçoeira das águas bordadas de espuma.
Ou então,
Ou então serei filho de um mundo sem resposta sujeito a ventos e marés que enrugam o latejar das veias e o voo das artérias com lugar no corpo rompendo o fluir da vida no interior do sonho.
Não.
Eu não venho de lugar algum fora da mente nem trago comigo a erva daninha. Eu venho de um jardim distante entre o sonho e a razão, onde o pensamento se agiganta para vencer as trevas e a ilusão.
Adão Cruz




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