sexta-feira, 10 de maio de 2019

"Ocasos acidentais" - Al Berto

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Ocasos acidentais

é tarde meu amor
estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me, interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais… e no ventre impossível das cidades noturnas
a solidão tem dias mais cruéis

tentei ser teu, amar-te e amar o falso outro… quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda… cantar-te os gestos com ternura
mas não

águas, águas inquinadas pulsando dentro de meu corpo, como um peixe ferido, louco
em mim a lama… e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

Al Berto

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