Elogio à poesia
Deixai
Aos poetas um instante de alegria
Ou desaparecerá o vosso mundo.
Poeta polonês Czeslaw
Milosz
«A poesia é agora, para mim, um novo
estado de consciência. Um estado ilegível. Porém um estado que provém da
leitura paródica do ilegível. Por um momento, vejo, leio o ilegível. Não é
decifrar um inimigo, mas sim vivê-lo».
Poeta espanhol Andrès
Sánchez Robayana (La Inminencia/Diarios, 1980-1995).
Génesis
«Antes do canto e do perfume, antes
das águas e da terra,
onde estava eu? Algum desígnio na
sombra
precedeu os astros? Ali, onde tudo
permanece incriado
- talvez naquele que é raiz de
sentimentos,
essa vontade intangível que se fará
matéria,
se tudo estava nele então também eu,
também eu um entre os inúmeros seres,
parecidos mas
nunca semelhantes. Com que objetivos?
Para quê todo este circo? Desfrutar
de um tremendo universo
só para criar os nossos pés e unhas?
Passar do eterno ao efémero por uma
sede de espelhos?
Parir um ponto, começo e fim, que invalida
o infinito?
Ali fui, de uma maneira perfeita,
mínimo, muito menos que um vislumbre
e no entanto absolutamente necessário
para o equilíbrio da impensável
máquina.
Cada formiga carrega, apoiada na sua
nuca, a totalidade do universo.
O peso de uma pena abandonada a si
mesma
pode amassar um mundo. Exponho-me ao
sol para espalhar a minha sombra,
na memória que, no centro do
presente, espera agachada como um tigre.
Ainda que não possam conversar
o piolho e o mendigo entendem-se
perfeitamente.»
Poeta chileno Alejandro
Jodorowsky (1929)
Territórios de um corpo
(excerto):
«Formosa, a desordem do meu
pensamento.
Que eu não sigo o exemplo dos mais
antigos:
busco o mesmo que buscavam.
Por isso, nesta diáspora de ti,
sei que o silêncio que nos cobre é
isto,
dois vultos que se dobram e enredam
para serem restituídos à sua solidão.
Comprovo: é Abril, o inverno termina,
que inclusive as flores são felizes.
Sou como elas, não pergunto nada;
e limito-me a estar sobre o teu corpo
como quem olha, sem temor, de frente
um eclipse de sol.»
Poeta andaluz Jenaro
Talens (1946)
Eu traduzo um poema: porque o
universo está sempre a desagregar-se e só o labor da poesia refaz o tecido das
coisas, a sua memória extenuada.
Poeta moçambicano António
Cabrita
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