segunda-feira, 5 de junho de 2017

"Deito-me a teu lado..." - Casimiro de Brito

Resultado de imagem para dois corpos deitados se acariciando


Deito-me a teu lado. Sou a tua sombra 
no lençol. Vou decifrar a luz dos teus olhos,
 
não me dás tempo. Os teus dedos tocam-me no rosto,
 
descem à garganta, começam a soletrar
 
o mapa do meu corpo: um grão sob a axila, uma pálpebra
 
que cintila, o rubor do mamilo
 
e já teus dentes se ocupam
 
do outro. Pressionas músculos e ossos
 
ao mesmo tempo que toco ao de leve
 
um seio, um lábio: quero deter-me no joelho
 
onde leio quedas na neve
 
e no ballet. Não me dás tempo.
 
Os corpos rodam, as mãos buscam outra terra,
 
outras águas. Os seios na virilha,
 
a barriga no pescoço. Estaremos a caminhar
 
demasiado depressa? Acaricias onde prometo
 
uma haste de sol. Uma casa voadora
 
na margem deste mundo tão previsível.
 
Erigimos com os nossos corpos
 
a mais efémera das esculturas. As tuas mãos
 
convidam-me a voar. Agora sou eu
 
quem não te dá tempo, escavando e descendo
 
à fenda silenciosa. Ouço-a. Um canto leve
 
e depois allegro e depois mais fundo.
 
Já não sei onde estou, quem sou
 
sobre as fontes e os rios e os abismos
 
de ti. Sentas-te, lama delicada, no meu peito
 
e desces e ajustas os teus ninhos
 
ao pequeno pássaro que pouco a pouco
 
se agita. Palpo e bebo e retenho a terra volátil.
 
a espuma, a vegetação de coxas, nádegas, mamas e águas
 
flutuantes. Ora subo ao chão ora me enterro
 
no ar, no lábio onde começa uma árvore
 
que se eleva até às nuvens. Não me dás tempo,
 
eu quero a eternidade mas tu não me dás tempo
 
para te contemplar. Ânfora nua
 
que bebo por fora e por dentro.
 
Dou-te a minha vida em troca da tua.
 

Casimiro de Brito

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