José de Sousa Miguel Lopes - Livro "Cultura acústica e letramento em Moçambique: em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural"
Prefácio
Este prefácio é fruto dos costumes do
ofício; a José Miguel Lopes deveriam caber os exclusivos direitos de fazer o
leitor compreender que as questões de escolarização e de letramento, que
envolvem o povo de Moçambique, estão embebidas dos decisivos problemas que a
modernidade impôs aos povos da periferia do mundo ocidental e cristão;
portanto, a nós brasileiros também.
Por isso mesmo, a banca que avaliou a
sua tese de doutorado, que agora vem a público, não sugeriu a publicação:
demandou-a.
Miguel obriga a pensar sempre em
questões nada fáceis e de respostas nada simples. Eles nos incita a pensar que
não há uma linha reta a unir a difusão da leitura e escrita em sociedades como
a moçambicana, e a partilha universal dos benefícios das culturas urbanas e
tecnológicas. Porque a palavra escrita não carrega apenas os benefícios das
belas-letras; ela pode ser, como mais das vezes tem sido, o algoz da “cultura
acústica”, da memória, do fio do tempo de que cada membro de uma nova geração
pode ser herdeiro e portador.
A mim, Miguel teve a sensibilidade de
ajudar a apreender a tensão entre “cultura oral” e “cultura escrita” em toda a
sua complexidade presenteando-me – em meio à elaboração deste trabalho – com a primeira
novela de seu conterrâneo Mia Couto de uma série que eu mesma fui descobrindo e
lendo afoitamente. Ambos testemunham o sofrimento dos que dependem dos
escreventes para preservar uma cultura que só é possível pela oralidade.
José Miguel não é dado a românticas
críticas à escola; por isso, o leitor não corre o risco de esbarrar, uma vez se
quer, com fantasias milenaristas, regressos a tempos perdidos. Sua reflexão
carrega todo o senso das incongruências, contradições, antinomias a que povos
colonizados foram e são obrigados a enfrentar na luta pela libertação política:
descartar-se da metrópole ao mesmo tempo que horizontes mais humanos de cultura
vão sendo compostos.
O povo moçambicano ensaiou esses
horizontes, e viu seus esboços de futuro borrados por protótipos culturais
produzidos e reproduzidos por outras sociedades. Brasil é, nesse sentido, o
verso e o reverso de Moçambique.
José Miguel fala de Moçambique como
se lesse a palma da mão. Estava lá, entre as lideranças revolucionárias que
lutaram por uma nova cultura e uma nova sociedade pautada em uma economia
autônoma. Falando de Moçambique, contudo, ele abre seu pensamento para os
universais problemas de inclusão social por via da escolarização.
Há de se atentar para a maestria com
que Miguel maneja vastíssima e atualizada bibliografia em torno do seu foco
central; sua destreza em rastrear diversas posições teóricas e interrogá-las à
luz das condições concretas do seu país de origem, ao mesmo tempo que interroga
aquelas condições com base na diversidade empírica fornecida pela bibliografia
compulsada, confere universalidade à problemática moçambicana.
Assim, experimentado dirigente
educacional em tempos revolucionários, Miguel dá provas de senhor dos ofícios
acadêmicos do bem pensar. E não lhe parecendo ainda suficiente, faz da sua
escrita ensejo de um tanto desmentir Ítalo Calvino: seu texto é a um só tempo
leve e pesado; sombrio e iluminado; crítico e esperançoso.
Conheci Miguel por obra deliberada da
sua então orientadora de mestrado, Lucíola Licínio de
Castro Paixão Santos, que repetindo a generosidade de que sempre me dá
provas, convidou-me para a banca de defesa da dissertação para que eu já me
encantasse com Miguel e me armasse de coragem para ser sua futura orientadora
de doutorado. Acho que Lucíola acertou em seu prognósticos: ganhei muito
conhecendo-o. Os anos de convívio na PUC-SP foram mais do que suficientes para
pavimentar uma amizade que, pelos meus prognósticos, será duradoura.
Torço para que muitos além de mim e
da banca que aprovou este trabalho, com enfáticas recomendações para
publicação, tenham a sorte de lê-lo. Assim como torço para que a presença de
Miguel em nossos meios acadêmicos se torne definitiva.
Fevereiro de 2003.
Mirian Jorge Warde
O livro publicado em 2004 é resultado da tese de doutorado do autor, defendida em janeiro de 2000.
Para ter acesso a algumas
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