domingo, 30 de outubro de 2016

José de Sousa Miguel Lopes - Livro "Cultura acústica e letramento em Moçambique: em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural"

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Prefácio

Este prefácio é fruto dos costumes do ofício; a José Miguel Lopes deveriam caber os exclusivos direitos de fazer o leitor compreender que as questões de escolarização e de letramento, que envolvem o povo de Moçambique, estão embebidas dos decisivos problemas que a modernidade impôs aos povos da periferia do mundo ocidental e cristão; portanto, a nós brasileiros também.
Por isso mesmo, a banca que avaliou a sua tese de doutorado, que agora vem a público, não sugeriu a publicação: demandou-a.
Miguel obriga a pensar sempre em questões nada fáceis e de respostas nada simples. Eles nos incita a pensar que não há uma linha reta a unir a difusão da leitura e escrita em sociedades como a moçambicana, e a partilha universal dos benefícios das culturas urbanas e tecnológicas. Porque a palavra escrita não carrega apenas os benefícios das belas-letras; ela pode ser, como mais das vezes tem sido, o algoz da “cultura acústica”, da memória, do fio do tempo de que cada membro de uma nova geração pode ser herdeiro e portador.
A mim, Miguel teve a sensibilidade de ajudar a apreender a tensão entre “cultura oral” e “cultura escrita” em toda a sua complexidade presenteando-me – em meio à elaboração deste trabalho – com a primeira novela de seu conterrâneo Mia Couto de uma série que eu mesma fui descobrindo e lendo afoitamente. Ambos testemunham o sofrimento dos que dependem dos escreventes para preservar uma cultura que só é possível pela oralidade.
José Miguel não é dado a românticas críticas à escola; por isso, o leitor não corre o risco de esbarrar, uma vez se quer, com fantasias milenaristas, regressos a tempos perdidos. Sua reflexão carrega todo o senso das incongruências, contradições, antinomias a que povos colonizados foram e são obrigados a enfrentar na luta pela libertação política: descartar-se da metrópole ao mesmo tempo que horizontes mais humanos de cultura vão sendo compostos.
O povo moçambicano ensaiou esses horizontes, e viu seus esboços de futuro borrados por protótipos culturais produzidos e reproduzidos por outras sociedades. Brasil é, nesse sentido, o verso e o reverso de Moçambique.
José Miguel fala de Moçambique como se lesse a palma da mão. Estava lá, entre as lideranças revolucionárias que lutaram por uma nova cultura e uma nova sociedade pautada em uma economia autônoma. Falando de Moçambique, contudo, ele abre seu pensamento para os universais problemas de inclusão social por via da escolarização.
Há de se atentar para a maestria com que Miguel maneja vastíssima e atualizada bibliografia em torno do seu foco central; sua destreza em rastrear diversas posições teóricas e interrogá-las à luz das condições concretas do seu país de origem, ao mesmo tempo que interroga aquelas condições com base na diversidade empírica fornecida pela bibliografia compulsada, confere universalidade à problemática moçambicana.
Assim, experimentado dirigente educacional em tempos revolucionários, Miguel dá provas de senhor dos ofícios acadêmicos do bem pensar. E não lhe parecendo ainda suficiente, faz da sua escrita ensejo de um tanto desmentir Ítalo Calvino: seu texto é a um só tempo leve e pesado; sombrio e iluminado; crítico e esperançoso.
Conheci Miguel por obra deliberada da sua então orientadora de mestrado, Lucíola Licínio de Castro Paixão Santos, que repetindo a generosidade de que sempre me dá provas, convidou-me para a banca de defesa da dissertação para que eu já me encantasse com Miguel e me armasse de coragem para ser sua futura orientadora de doutorado. Acho que Lucíola acertou em seu prognósticos: ganhei muito conhecendo-o. Os anos de convívio na PUC-SP foram mais do que suficientes para pavimentar uma amizade que, pelos meus prognósticos, será duradoura.
Torço para que muitos além de mim e da banca que aprovou este trabalho, com enfáticas recomendações para publicação, tenham a sorte de lê-lo. Assim como torço para que a presença de Miguel em nossos meios acadêmicos se torne definitiva.

Fevereiro de 2003.

Mirian Jorge Warde


O livro publicado em 2004 é resultado da tese de doutorado do autor, defendida em janeiro de 2000. 
Para ter acesso a algumas páginas (298 páginas), num total de 675 páginas clique aqui

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