Vencedor da Palma de Ouro, iraniano Abbas Kiarostami morre aos 76
Vencedor da Palma de Ouro, iraniano Abbas
Kiarostami morre aos 76
DE SÃO PAULO
04/07/2016
O premiado
diretor iraniano Abbas Kiarostami, de "Gosto de Cereja", morreu aos
76 anos em decorrência de um câncer gastrointestinal. A notícia foi confirmada
nesta segunda-feira (4) pela agência de notícias Isna, do Irã. Segundo a
Isna, serviço extraoficial de informação no país, Kiarostami havia viajado à
França para se tratar e se submeteu a diversos procedimentos cirúrgicos – o
último deles, em junho. O cineasta foi diagnosticado em março deste ano. Venceu a
Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, por "Gosto de
Cereja", em 1997. Na semana passada, Kiarostami estava na lista de 683
cineastas que passaram a integrar Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
—um convite tardio, comentou-se.A brasileira Renata Almeida, diretora da Mostra
de Cinema de São Paulo, foi amiga do diretor. Por telefone e sem conseguir
conter as lágrimas, falou à Folha sobre
a obra do iraniano, um "poeta visual".
"De todos os diretores iranianos, ele foi um que conseguiu
viajar, filmar em vários lugares. Era universal. Tinha muita poesia,
originalidade. Não era nem o maior cineasta iraniano, era um dos maiores
cineastas do mundo. Ponto. Isso é surpreendente", afirmou. "Qualquer
lugar que ele fosse, França, Japão, Itália, ele conseguia com a sensibilidade e
talento dele retratar algo. Um artista que navegou por todos os universos. Perda
imensa para as artes. E de um grande amigo."
Ela comenta que havia conseguido enviar flores ao hospital onde
Kiarostami estava se tratando. E que, apesar da luta contra o câncer, ele tinha
planos de vir ao Brasil para a 40ª edição da mostra, neste ano. Ele participou
do evento em 2012, ano seguinte à morte de Leon Cakoff, idealizador da Mostra e
marido de Renata.
"Ele veio contrariando recomendações médicas, já que ele
estava com um problema na coluna. Me disse: 'O meu médico perguntou por que
iria e eu respondi 'não estou indo para um festival, é pela minha família, e
minha irmã está precisando de mim'."
Em sua 28ª edição, em 2004, a Mostra fez uma retrospectiva
completa dos filmes do cineasta, que era uma figura assídua do evento.
Kiarostami havia integrado o primeiro júri internacional do festival, dez anos
antes, e inspirou o curta "Volte Sempre, Abbas!" (1999), dirigido por
Leon Cakoff e Renata de Almeida (os dois organizadores do evento), que traz a
visão do diretor sobre a cidade de São Paulo.
Na edição de 2012, novamente na Mostra, Kiarostami ganhou o
prêmio Leon Cakoff pelo conjunto da obra. "É a primeira vez que recebo um
prêmio tão carinhoso, de alguém que conhecia tão bem", falou em São Paulo
e foi aplaudido de pé.
Naquele ano, o diretor exibiu "Um Alguém Apaixonado",
seu último longa de ficção. "Preciso saber o que vai acontecer, caso
contrário não consigo seguir em frente", disse, quando perguntado sobre o
grau de liberdade que tem durante a realização de suas obras.
Em abril deste ano, Kiarostami também foi mote de outra
retrospectiva de seus filmes, organizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil,
em São Paulo.
"24 Frames", novo projeto de Kirostami, seria
produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, produtor da RT Features. A parceria
fora anunciada durante o Festival de Cannes deste ano. Por telefone, Teixeira
disse na tarde de segunda que foi "pego de surpresa" pela notícia da
morte do diretor, e que comentaria o futuro do projeto depois de conversar com
um sócio.
Mantido em sigilo, "24 Frames" teria por base os
projetos de 24 minutos que o cineasta vinha rodando nos últimos anos. O
lançamento do filme estava previsto para entre o fim deste ano e o começo de
2017.
TRAJETÓRIA
Abbas Kiarostami nasceu em Teerã, capital do Irã, em 1940.
Estudou artes plásticas na universidade, antes de começar a trabalhar como
designer gráfico, e só começou a carreira no cinema aos 30 anos, quando se uniu
ao Kanun, o centro de desenvolvimento intelectual de crianças e jovens, onde
dirigiu o departamento de filmes.
Desde então, tornou-se uma das figuras centrais no cinema
mundial. "O cinema começava com Griffith e terminava com Abbas
Kiarostami", reza uma frase atribuída a Jean-Luc Godard.
Estava no país quando eclodiu a Revolução Iraniana, em 1979, que
instaurou um regime religioso islâmico no país —e, diferente de seus colegas,
decidiu permanecer lá após a mudança.
Segundo o jornal britânico "The Guardian", Kiarostami
costumava dizer que era "uma árvore enraizada" que, quando muda de
lugar, não dá mais frutos.
Seu primeiro grande reconhecimento internacional foi em 1987,
com "Onde Fica a Casa do Meu Amigo?". O longa sobre uma criança que
precisa devolver a um amigo um caderno que pegou por engano –e que resulta na
expulsão do colégio desse amigo–, venceu o Leopardo de Bronze no Festival de
Locarno, na Itália.
Kiarostami continuou filmando no Irã até o recrudescimento da
repressão sob o governo de Mahmoud Ahmadinejad. Alguns de seus últimos filmes,
"Cópia Fiel" (2010) e "Um Alguém Apaixonado" (2012) foram
rodados na Itália e no Japão, respectivamente. "Cópia Fiel" deu a sua
protagonista, Juliette Binoche, o prêmio de melhor atriz em Cannes.
Kiarostami deixa duas filhas: Ahmad e Bahman, documentarista.
Ambas são fruto de seu primeiro casamento, com Parvin Amir Gholi, de quem se
divorciou em 1982.
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