segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Vulto vermelho" - Viviane Barroso


Vulto vermelho

Tenho medo.
Da Paixão que me enterra
E me trava a língua.
Tenho medo.
A Paixão é um almanaque colorido
Confeccionado por olhos que tropeçam,
Bocas que renegam,
E mãos que torturam.
Se o Amor é mar
A Paixão é a rede que recolhe seus peixes
Para matar a fome da carne
Que dói e espanca.
Eu tenho medo.
Porque tenho fome.
Porque sou olho que tropeça,
Sou boca que renega,
Sou mão que tortura.
Tenho medo porque quero.
E quero tanto
Que quase morro de espanto
Quando isso confesso.
Eu tenho medo
Desse vulto vermelho
Que me envolve
E que num segundo
Me arranca a pele
Descobrindo meu cio.
E me usa.
E me cospe
Rasgando o tecido frágil
Da minha vergonha.
E me chama por nomes proibidos,
E me beija, e me cala,
E me engole como faz um redemoinho
Com a folha caída no asfalto
Quando a joga pro alto.
E ela se perde.
E se faz esquecer
Para dissolver-se
No nevoeiro esparso
Do arrependimento
E virar canção.
Ou não.
Apaixonar-se é atrever-se
À dúvida.
É voar num balão eufórico e desgovernado
Pronto para cair.
Todos os dias me sinto preparada
Para morrer.
E todos os dias
Eu tenho medo.

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