"O dia da Infâmia" - Fernando Morais
O dia da infâmia
Fernando
Morais
Folha de SP -
06/12/2015
Minha geração testemunhou o
que eu acreditava ter sido o episódio mais infame da história do Congresso. Na
madrugada de 2 de abril de 1964, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga
a Presidência da República, sob o falso pretexto de que João Goulart teria
deixado o país, consumando o golpe que nos levou a 21 anos de ditadura.
Indignado, o polido deputado
Tancredo Neves surpreendeu o plenário aos gritos de "Canalha!
Canalha!".
No crepúsculo deste 2 de
dezembro, um patético descendente dos golpistas de 64 deu início ao processo de
impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A natureza do golpe é a
mesma, embora os interesses, no caso os do deputado Eduardo Cunha, sejam ainda
mais torpes. E no mesmo plenário onde antes o avô enfrentara o usurpador, o
senador Aécio Neves celebrou com os golpistas este segundo Dia da Infâmia.
Jamais imaginei que
pudéssemos chegar à lama em que o gangsterismo de uns e o oportunismo de outros
mergulharam o país. O Brasil passou um ano emparedado entre a chantagem de
Eduardo Cunha –que abusa do cargo para escapar ao julgamento de seus delitos– e
a hipocrisia da oposição, que vem namorando o golpe desde que perdeu as
eleições presidenciais para o PT, pela quarta vez consecutiva.
Pediram uma ridícula
recontagem de votos; entraram com ações para anular a eleição; ocuparam os
meios de comunicação para divulgar delações inexistentes; compraram pareceres
no balcão de juristas de ocasião e, escondidos atrás de siglas desconhecidas,
botaram seus exércitos nas ruas, sempre magnificados nas contas da imprensa.
Nada conseguiram, a não ser
tumultuar a vida política e agravar irresponsavelmente a situação da economia,
sabotando o país com suas pautas-bomba.
Nada conseguiram por duas
singelas razões: Dilma é uma mulher honesta e o povo sabe que, mesmo com todos
os problemas, a oposição foi incapaz de apresentar um projeto de país
alternativo aos avanços dos governos Lula e Dilma.
Aos inconformados com as
urnas restou o comparsa que eles plantaram na presidência da Câmara –como se
sabe, o PSDB, o DEM e o PPS votaram em Eduardo Cunha contra o candidato do PT,
Arlindo Chinaglia. Dono de "capivara" policial mais extensa que a
biografia, Cunha disparou a arma colocada em suas mãos por Hélio Bicudo.
O triste de tudo isso é saber
que o ódio de Bicudo ao PT não vem de divergências políticas e ideológicas, mas
por ter-lhe escapado das mãos uma sinecura –ou, como ele declarou aos jornais,
"um alto cargo, provavelmente fora do país".
Dilma não será processada por
ter roubado, desviado, mentido, acobertado ou ameaçado. Será processada porque
tomou decisões para manter em dia pagamentos de compromissos sociais, como o
Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.
O TCU viu crimes nessas
decisões, embora não os visse em atos semelhantes de outros governos. Mas é o
relator das contas do governo, o ministro Augusto Nardes, e não Dilma, que é
investigado na Operação Zelotes, junto com o sobrinho. E é o presidente do TCU,
Aroldo Cedraz, e não Dilma, que é citado na Lava Jato, junto com o filho. Todos
suspeitos de tráfico de influência. Provoca náusea, mas não surpreende.
"Claras las cosas,
oscuro el chocolate", dizem os portenhos. Agora a linha divisória está
clara. Vamos ver quem está do lado da lei, do Estado democrático de Direito, da
democracia e do respeito ao voto do povo.
E veremos quem se alia ao
oportunismo, ao gangsterismo, ao vale-tudo pelo poder. Não tenho dúvidas: a
presidente Dilma sairá maior dessa guerra, mais uma entre tantas que enfrentou,
sem jamais ter se ajoelhado diante de seus algozes.
FERNANDO MORAIS, 69, é jornalista e escritor. É
autor, entre outros, dos livros "Chatô, o Rei do Brasil" e
"Olga"
FONTE: Aqui
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