segunda-feira, 11 de março de 2019

"O grito" - David Mourão Ferreira

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O grito

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
O que há no teto
do céu deserto,
além do grito?
Tudo que e’ nosso.


São os teus olhos
desmesurados,
lagos enormes,
mas concentrados
nos meus sentidos.
Tudo o que é nosso
é excessivo.


E a minha boca,
de tão rasgada,
corre-te o corpo
de pólo a pólo,
desfaz-te o colo
de espádua a espádua,
são os teus olhos,
depois o grito.

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
É o regresso.
É no silêncio
de outro extremo
desta cidade
a tua casa.
É no teu quarto
de novo o grito.

E mais noturna
do que nunca
a envergadura
das nossas asas.
Punhal de vento,
rosa de espuma:
morre o desejo,
nasce a ternura.
Mas que silêncio
na tua casa.


David Mourão Ferreira


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