Contra o consenso atual, historiador defende que Jesus foi apenas um mito
Contra o consenso atual, historiador defende que Jesus foi
apenas um mito
REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
16/04/2017
A tese de que Jesus Cristo nunca existiu é um prato cheio para
teóricos da conspiração da internet, embora seja rejeitada pela grande maioria
dos especialistas. Uma das raras obras sérias que tentam defender essa ideia,
escrita pelo historiador e ativista ateu americano David Fitzgerald, acaba de
chegar ao Brasil em versão eletrônica.
O livro, chamado "Nailed: Dez Mitos Cristãos Que Mostram Que
Jesus Nunca Sequer Existiu", manteve o trocadilho em inglês do título
original ("nailed" quer dizer "pregado", literalmente, mas
também pode ser usado no sentido de "resolvido", em situações como a
resolução de um enigma ou problema).
Ao montar a lista de dez mitos, Fitzgerald, que foi protestante
antes de abraçar o ateísmo, teve como alvo principalmente as afirmações sobre
os textos do Novo Testamento feitas por cristãos mais conservadores. Seu
primeiro passo é mostrar que, diferentemente do que afirmam os literalistas
bíblicos –ou seja, aqueles que acreditam que todos os detalhes descritos na
Bíblia são fatos históricos que ocorreram literalmente–, há uma longa lista de
contradições nos diferentes retratos de Jesus traçados pelos Quatro Evangelhos
(Mateus, Marcos, Lucas e João).
Isso significa que eles provavelmente não foram escritos por
testemunhas oculares da vida de Cristo, mas incorporam a visão teológica de
cada autor em passagens tão importantes quanto o nascimento do Nazareno, o
batismo no rio Jordão, a morte na cruz e a Ressurreição.
Até aí, poucos historiadores do cristianismo primitivo achariam os
argumentos dele controversos –ninguém defende, hoje em dia, que os chamados
Reis Magos apareceram com presentes quando Jesus nasceu, ou que o rei Herodes
de fato mandou matá-lo quando ainda era bebê.
REESCREVENDO JOSEFO
Fitzgerald, porém, deixa de lado o consenso entre os especialistas
modernos ao argumentar que nenhum historiador contemporâneo de Jesus obteve informações
independentes sobre ele, e que as poucas menções a Cristo em textos não
cristãos teriam sido forjadas ou, no máximo, derivadas dos próprios seguidores
do cristianismo, o que colocaria sua confiabilidade em sérias dúvidas.
O mais importante desses historiadores, o judeu Flávio Josefo (37
d.C.-100 d.C.), deixou obras que, na versão que chegou até nós, citariam Jesus
em dois trechos. Um deles, mais extenso, realmente foi adulterado por copistas
cristãos para dar a entender que Josefo via Jesus como o Messias, mas a maioria
dos historiadores afirma que, por trás da passagem alterada, é possível
restaurar uma versão original que também falava de Cristo.
Já Fitzgerald diz que essa passagem maior foi totalmente
inventada, enquanto no trecho mais curto um personagem chamado Tiago teria
recebido o apelido de "irmão de Jesus, chamado Cristo" por
intervenção de copistas cristãos.
Além do que vê como silêncio dos cronistas não cristãos,
Fitzgerald enfatiza o silêncio do apóstolo Paulo, autor de diversas cartas a
comunidades cristãs escritas entre os anos 40 e 60 do século 1º e preservadas
no Novo Testamento.
Paulo, de fato, quase não aborda os episódios da vida de Jesus e
os ensinamentos do Nazareno, o que, para Fitzgerald, seria indício de que o
Cristo no qual ele acreditava era uma figura cósmica, de origem celestial, na
qual o apóstolo teria passado a acreditar por meio de revelações místicas e da
análise das Escrituras judaicas (o Antigo Testamento cristão). Não teria sido,
portanto, um homem de carne e osso.
Mas as cartas do próprio Paulo não dizem que Jesus era
"nascido de mulher" e "nascido da estirpe de David segundo a
carne"?
"Eu inverteria a sua pergunta: por que Paulo precisa
mencionar isso, afinal? Você só precisa dar esse tipo de detalhe se estiver falando
de um semideus. Além do mais, nesses dois casos, ele usa a palavra grega
'guenômenos', que não quer dizer 'nascido', mas algo como 'feito'. Em suas
cartas, Paulo nunca usa essa palavra para se referir a um nascimento humano
normal", diz Fitzgerald. "O uso desse termo incomodou tanto os
antigos cristãos que há manuscritos nos quais ele foi trocado pela palavra que
normalmente significa 'nascido'."
Outra objeção séria às ideias dos chamados miticistas (os que
defendem que Jesus foi apenas um mito, sem base numa figura histórica real)
envolve o chamado critério do constrangimento. Esse critério de análise
histórica propõe que ninguém em sã consciência inventaria informações
potencialmente constrangedoras sobre a trajetória de uma figura muito admirada.
Portanto, é razoável admitir que tais fatos realmente aconteceram.
Esse critério é usado para postular que ao menos alguns fatos
básicos da biografia de Jesus –a origem em Nazaré (cidadezinha insignificante),
o batismo feito por João Batista (se Jesus é superior a João, por que foi
batizado?) e a morte na cruz (martírio reservado a criminosos e subversivos de
quinta categoria)– aconteceram mesmo.
Para Fitzgerald, porém, todos esses dados são uma criação do mais
antigo Evangelho, o de Marcos.
"Ao contrário de nós, Marcos claramente não se sentia
constrangido em relação aos elementos de sua história. Tal como Paulo, ele
achou todos os elementos de que precisava nas Escrituras hebraicas, e partir
deles criou a alegoria do homem fiel que foi adotado por Deus em seu batismo e
foi ressuscitado e exaltado por Deus por sua obediência."
NAILED: DEZ MITOS CRISTÃOS QUE MOSTRAM QUE JESUS NUNCA SEQUER
EXISTIU
AUTOR David Fitzgerald
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FONTE: Aqui
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