"Parar o Congresso Nacional" - Vladimir Safatle
Parar
o Congresso Nacional
Vladimir
Safatle
21/04/2017
Você deixaria o seu futuro e o
futuro de seus filhos ser decidido por criminosos ou por pessoas com fortes
suspeitas de crimes? Pois é isso que está acontecendo agora.
Questões fundamentais para o seu futuro, como
o sistema de aposentadorias e as leis trabalhistas, estão sendo decididas por
pessoas indiciadas na participação em crimes milionários ou que são réus em
ações penais correndo no STF. Só na última lista da Lava Jato são 24 senadores
e 39 deputados indiciados, inclusive os atuais presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal. Além disto, quatro senadores e 50 deputados
respondem atualmente por ações penais no STF.
Como se isso fosse pouco, ficou claro como
todo o sistema político-eleitoral brasileiro é a expressão de uma máquina
criminosa de financiamento visando preservar uma oligarquia cuja maior função é
defender interesses de seus financiadores. Isso não é uma democracia, mas uma
simples plutocracia violenta, com um braço policial descontrolado, que vê agora
desnudada suas redes de corrupção e cooptação.
O mesmo presidente da Câmara, sr. Rodrigo
Maia, que afirmava há alguns dias que a Justiça do Trabalho não deveria nem
sequer existir, foi acusado por um delator da Odebrecht de receber R$ 350 mil
diretamente em casa. Como alguém com tais acusações nas costas, em qualquer
reles democracia liberal no mundo, poderia continuar presidindo a Câmara e
decidindo modificações constitucionais?
Depois que o país viu exposto o grau de corrupção
de seu sistema, toda e qualquer legitimidade de seus Poderes, em especial o
Legislativo e o Executivo (já que do Judiciário até agora a população
brasileira não teve o direito de saber nada), acabou.
Independentemente de ser um sistema
presidencialista ou não, o mínimo a fazer seria dissolver esse Congresso, parar
toda tramitação de qualquer tipo de emenda constitucional e discutir a única
coisa que realmente importa agora, a saber, a reinstauração da
institucionalidade política brasileira. Esse Congresso não existe mais.
No entanto, de nada adiantam novas eleições,
pois o que está em questão não são apenas os ocupantes atuais do poder mas o
caráter completamente farsesco do que se convencionou chamar de
"democracia" no Brasil.
É certo que estes indiciados e réus
procurarão se defender dizendo serem "representantes" do povo. Mas,
se 93% do povo é contrário à reforma previdenciária tal como está, e 80%
contrário à terceirização irrestrita (Instituto Vox Populi), então quem
exatamente essas pessoas "representam"? Como é possível que a vontade
da maioria seja "representada" por algo que não é a vontade da
maioria? Na verdade, esse sistema é claramente um mero processo de
"espoliação da vontade".
De toda forma, talvez seja o caso de lembrar
que a soberania popular, o único fundamento possível de um regime democrático,
não se representa. Um povo livre nunca delega sua soberania para quem quer que
seja. Ele a conserva sempre junto a si. Passar sua soberania para outro é
perdê-la. É como passar minha vontade a um outro e esperar que a vontade de um
outro tenha alguma forma de identidade absoluta com a minha. Nem no amor isso é
possível, quanto mais na política.
Deputados, presidentes não são
"representantes" do povo. No máximo, eles são seus
"comissários", como dizia Jean-Jacques Rousseau. Por isso, uma
verdadeira democracia deveria ter, ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo,
a figura da assembleia popular a ratificar leis e apor seu aceite ou sua
recusa. O povo deve ter as estruturas institucionais que lhe permitam
continuamente se defender de quem procura lhe usurpar o poder.
Alguns dirão que questões econômicas são
muito complexas para serem decididas pela soberania popular. No que eles
mostram como seu conceito de governo não é uma democracia, mas uma tecnocracia.
Só que as tecnocracias que conhecemos atualmente são tecnocracias da
catástrofe, responsáveis normalmente pela pauperização crescente da população.
Contra isso, há de sempre se lembrar: quem
paga a orquestra escolhe a música. Mas no caso brasileiro a pergunta que fica
é: quem paga atualmente a orquestra?
FONTE:
Aqui
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