segunda-feira, 7 de novembro de 2016

José de Sousa Miguel Lopes - Texto para a orelha do livro "Imagens do desaprender"

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As gerações futuras, que venham a ter ao alcance da mão um amplo espectro de textos culturais significativamente diferentes e melhores, talvez se surpreendam ao saber que hoje as pessoas de fato, assistam a filmes puramente comerciais. No futuro, talvez as pessoas fiquem pasmadas ao saberem que hoje se vê tanto filme ruim. É concebível que a sociedade do futuro olhe para a nossa época como uma espantosa era do barbarismo cultural, em que as indústrias da cultura, geridas por interesses comerciais e guiadas pelo mínimo denominador comum, desovam filmes e outras criações culturais em que a violência aparece como a melhor maneira de resolver problemas, rebaixam as mulheres e os negros e repetem incansavelmente velhas fórmulas. As infindáveis ”continuações” dos filmes populares poderiam chocar uma idade futura, parecendo-lhes primitivos e bárbaros. As futuras gerações poderão contemplar a incrível concentração de riqueza, as impressionantes diferenças de classe, a fenomenal ocorrência de fome e miséria no mundo, as doenças mortais, a violência, a desordem social e a falta de instituições sociais e humanas e igualitárias, e achar que esta sociedade é realmente um espanto. Nosso tempo pode algum dia ser visto como uma idade das trevas, reino de incrível ignorância e atraso, em que a vida é muito mais feia, brutal e curta do que precisaria ser. Talvez o nosso tempo seja visto como uma era especialmente retrógrada em que os indivíduos ainda não se tinham ajustado às novas tecnologias, em que eram esmagados pelos novos meios de comunicação e ainda não tinham aprendido e governar-se e a controlar a tecnologia e a mídia. Talvez as futuras gerações riam da pretensão que temos de ser “esclarecidos e modernos”. Talvez a futura geração entenda melhor os novos meios de comunicação e as novas tecnologias e os use no sentido de melhorar a vida. Talvez a crescente seleção dos filmes dê aos indivíduos capacidade de aumentar seu âmbito de escolha e controle sobre a cultura, portanto de aumentar sua autonomia e soberania. Talvez, no futuro, haja grupos de estudo de cinema, como este Cinema para aprender e desaprender, assim como existem grupos de estudo em livros hoje, e as pessoas possam reunir-se para dissecar de maneira crítica as produções cinematográficas, e o ensino do cinema passe a fazer parte dos currículos escolares, do ensino fundamental à universidade e daí por diante. Talvez as pessoas aprendam a usar o cinema a fim de comunicar-se, de produzir suas próprias criações, que circularão e serão distribuídas por toda a sociedade, de tal modo que as vozes antes marginalizadas se possam fazer ouvir, que um amplo espectro e uma grande diversidade de culturas encontrem expressão, que as pessoas possam conversar entre si, ser criativas e participar da produção da sociedade e da cultura. Talvez, sim, talvez não. Talvez, no futuro, gaste-se mais tempo vendo filmes cada vez mais estúpidos, e o mínimo denominador comum talvez fique ainda mais mínimo, numa era de barbarismo cultural impossível de imaginar hoje. Talvez o presente pareça uma idade de ouro do individualismo, da liberdade e da democracia para os futuros habitantes das sociedades anti-utópicas, mais ou menos como nos filmes de ficção cientifica apocalíptica, do tipo pós-holocausto, representam o nosso final de século XX: utopia em comparação com o melancólico futuro retratado nesses filmes.
Mas façamos do presente essa idade de ouro! Sejamos otimistas e esperançosos, como o são os textos presentes no livro Imagens do desaprender. Operando na contra-mão do cinema dominante, estes textos são parte constitutiva de um fascinante projeto “Grupo de Pesquisa e Extensão Cinema para aprender e desaprender”, que está dando os primeiros passos, e ao qual auguramos uma contribuição relevante rumo a um ensino crítico, que possibilite decodificar as mensagens do cinema, distinguindo seu complexo espectro de efeitos. Seguramente, estes textos criarão as condições de aprimoramento da capacidade de perceber as várias expressões e os vários códigos ideológicos presentes nas produções cinematográficas da(s) cultura(s) de nosso tempo, ao mesmo tempo que procurarão fazer uma distinção entre as ideologias hegemônicas e as imagens, os discursos e os textos que as subvertem. Contribuirão, certamente, para que as crianças e jovens de hoje, bem como os das futuras gerações aprendam a defender o cinema como uma arte para informar e esclarecer, e não para manipular. Se ao ato de educar podemos atribuir o significado de empurrar para o exterior, incitando à viagem pelo desconhecido, mesmo sabendo que isso representa a possível quebra dos laços que dão conforto, o mesmo se pode aplicar ao ato de educar para o cinema. Partir, exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permanece ligada à margem de nascimento, à proximidade de parentesco, à casa e aos costumes próprios do meio, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos. Convido, pois, o leitor, a partir comigo nesta fascinante viagem pelos textos deste livro, ancorados em filmes que tratam da infância e da juventude. Que as ideias presentes em cada texto possam dar sua contribuição para fazer de cada escola um lugar antropológico, com tudo o que isso implique em termos de afeto, de memória e de identidade. Que ao chegarem às escolas, estas ideias possam ajudá-las a se transformarem em verdadeiros lugares de hospitalidade, de reconhecimento, de proximidade e de encontro. Que o cinema, na sua mais genuína ambição estética e humana possa dar suporte ao sonho deste encontro. Que ele possa estar em sintonia com a fala do poeta ao afirmar, seguro de sua humanidade, que onde não houver sonho, não te demores...Assim, leitor, o convite final que agora lhe faço é que se demore nestes textos.

José de Sousa Miguel Lopes


Leia uma resenha do livro por Suzana Feldens Schwertner da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) clicando aqui

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