Disputa será da direita com a extrema direita, afirma Fernando Haddad
Disputa será da direita com a extrema direita, afirma Haddad
21/11/2016 MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
COLUNISTA DA FOLHA
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT-SP) afirma que a
esquerda brasileira nunca conviveu com uma situação "tão adversa"
como a atual. Para ele, a polarização brasileira se dará, nos próximos anos,
entre a direita e a extrema direita.
Derrotado por João Doria (PSDB-SP) na eleição municipal, ele diz
que se dedicará agora a "reorganizar a vida", mas sem deixar o
"debate nacional". Leia os principais trechos da entrevista,
concedida dias depois da vitória do republicano Donald Trump à Presidência dos
EUA:
Folha - Há uma onda conservadora no mundo e no
Brasil?
Fernando Haddad - Não dá para entender o Donald Trump sem entender
o que foi a globalização. O que seus ideólogos defendiam? Que ela significaria
a distribuição do welfare state [Estado de bem estar], que uma parte do bem
estar do núcleo orgânico do sistema seria socializado.
Isso atingiria inclusive o Brasil. Essa era uma tese do
[ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Mas o que de fato
aconteceu? O capital se internacionalizou de uma maneira inteiramente nova.
Eu [empresa] produzo a sola do [tênis] Nike no Vietnã, o cadarço
no Camboja, monto em Manaus e exporto para a Europa. Só que quem fica com o
superlucro é a marca Nike. Não são os trabalhadores, como se poderia imaginar.
A força de barganha diminui.
A base nacional da legislação e da organização sindical se
esfarelam. E o capital passa a superexplorar a força de trabalho. Sobretudo no
Sudeste asiático, que se industrializa com base na mão de obra barata, de
pessoas que trocavam 12 horas de jornada por um prato de arroz.
A globalização significou ainda a desregulamentação dos mercados
financeiros.
Em 2008, duas coisas se combinam: crise financeira com a explosão
das bolhas na Europa e nos EUA.
O centro nervoso do sistema é atingido. Os trabalhadores de seu
núcleo orgânico já sentiam os efeitos da desindustrialização pelo aumento da
competição asiática. Mas, a partir de 2008, passaram a sentir na pele, como
nunca.
Essa combinação começa a explicar a emergência da direita nos EUA
e na Europa.
Trump é só um elemento a mais de reação da classe trabalhadora
tradicional, europeia e americana. Que dá sustentação a Marine Le Pen, na
França, ao Brexit [saída do Reino Unido da União Europeia], a grupos radicais
na Alemanha e na Áustria.
Nos EUA não há desemprego, por exemplo. Ao
contrário.
Mas você tem a precarização [do trabalho], sobretudo no nordeste,
que era uma das regiões de base industrial nos EUA. Ele sucumbe.
E você tem a emergência de forças ultraconservadoras de viés
nacionalista, com a classe trabalhadora tradicional reagindo aos efeitos
deletérios da globalização pela direita. Hoje a disputa, em escala global,
inclusive na periferia do sistema, se dá entre a direita e a extrema direita.
E no Brasil?
A América Latina pegou um atalho interessante. A expansão do
sistema abriu um ciclo de commodities e de crescimento que se combinou com a
democratização da renda por governos que, sucedendo os militares, emergiram com
discurso muito favorável ao combate à desigualdade.
E o Brasil conseguiu cumprir com certos princípios da Constituição
de 1988, que foi o ponto alto a Nova Republica, que durou de 1985 a 2016.
A Nova República terminou. Vivemos hoje o começo de uma segunda
República Velha, como deseja o establishment. [Irônico] Essa farra aí, de
direitos, acabou. Vamos voltar ao padrão primário exportador do começo do
século passado.
Como o país chega a essa crise tão aguda?
Com a crise de 2008, o ciclo de commodities teve que acabar. As
economias centrais dependiam de matéria prima barata para recuperar seu
dinamismo. A decisão da Arábia Saudita [de aumentar a produção de petróleo,
fazendo o preço despencar] é política. Ela joga com os EUA.
Com o fim do ciclo das commodities, começa a crise na periferia,
em governos [da América Latina] de matriz econômica cujas bases não são mais
sustentáveis. Isso explica parte da crise do governo Dilma [Rousseff].
Obviamente não explica tudo.
E o que mais explica?
A leitura completamente equivocada do governo e do PT sobre [os
protestos] de 2013. Ela foi a de que tínhamos garantido o pão e que o povo
tinha saído às ruas para pedir a manteiga. Essa expressão eu ouvi, na época, de
alguém muito importante.
Do Lula?
[risos]. É. Eu ouvi do Lula. E eu disse para ele "não é isso
o que está acontecendo".
Nós tínhamos dez anos de crescimento real do salário, a menor taxa
de desemprego, inflação relativamente controlada. Não tinha elementos para o
povo estar na rua.
A não ser pelo componente psicológico de perda de poder e status
relativos das classes médias tradicionais, espremidas entre ricos cada vez mais
ricos e pobres menos pobres.
Elas que lideraram aquele processo. E já começava o fim do ciclo
de commodities. O resultado foi uma crise institucional com a radicalidade que
a crise política impôs.
A leitura errada se traduziu em medidas
equivocadas?
Dilma acreditava realmente que essa crise era temporária. E os
ajustes que a economia precisava foram sendo adiados. Quando se confirma o
diagnóstico contrário, ela dá um cavalo de pau. Imaginando que em 2018 a
economia voltaria a crescer.
E dá tudo errado.
Dar um cavalo de pau pressupõe que você tem base parlamentar. Ela
não tinha. A popular, perdeu. A classe média tradicional ganhou as ruas e aí
nós promovemos algo que não está na Constituição: o tal do impeachment sem
crime de responsabilidade.
O que foi esse casuísmo? A Constituição prevê a intervenção do
Estado no município, do governo federal no Estado, mas não a do Congresso no
executivo. Pois foi exatamente o que aconteceu.
E o que nós temos hoje é um governo de intervenção, com os seus
atos institucionais. A PEC 241/55 [do teto de gastos] é o ato institucional
número 1 do novo regime.
O pressuposto é o seguinte: qualquer aumento quantitativo dos
serviços públicos, qualquer melhora qualitativa, e o enfrentamento da questão
demográfica, do envelhecimento da população, vão ter que ser enfrentados com o
aumento de produtividade do serviço público.
A conta não vai fechar.
O Estado vai sofrer pressão para racionalizar
gastos. Isso não é positivo e necessário?
O problema é de escala. É imaginar que esses três desafios vão
caber dentro da âncora fiscal. É imaginar que o interesse difuso vai prevalecer
sobre o interesse corporativo. Olha a dificuldade de se cortar supersalários no
Judiciário brasileiro, que é o mais caro do mundo. Olha a dificuldade que é
você enfrentar as corporações.
O senhor costuma criticá-las.
Eu não me vejo vivendo numa República. As instituições
republicanas funcionam ainda muito na base da facção. Pessoas que não poderiam
têm lado. Alguns promotores, alguns jornalistas, juízes, desembargadores.
O problema não está no fato de um membro do Ministério Público,
por exemplo, não agir republicanamente. E sim no fato de os mecanismos
corretores não funcionarem.
Que motivos levaram à sua derrota em São Paulo?
A crise do PT foi muito severa. Só neste ano, três [ex] ministros
do partido foram presos [Antonio Palocci, Paulo Bernardo e Guido Mantega]. Teve
o impeachment. O Instituto Lula somou 13 horas de Jornal Nacional, neste ano,
contra o Lula.
Houve também a fragmentação do nosso campo. Chegaram a me
perguntar por que o PT tinha lançado três candidatos, eu, a Marta [Suplicy] e a
[Luiza] Erundina.
E o Doria fez propostas objetivas que sensibilizaram o eleitorado:
manter a tarifa [de ônibus] congelada, abrandar a fiscalização por radar e
aumentar a velocidade das marginais. Eram as críticas que eu ouvia na
periferia.
Mas, sinceramente, eu não reclamo de nada porque a experiência que
vivi foi a mais rica que eu poderia ter.
Eu queria ficar mais quatro anos como prefeito. Queria. Do MEC
[que comandou no governo Lula] eu sinto nostalgia. Daqui eu vou sentir
saudades. Porque eu gosto de ser prefeito e queria ficar.
Por outro lado, vivendo essa turbulência toda e entregando a
cidade melhor do que recebi compensa o sentimento de perda. A dívida de SP era
200% da receita. Hoje é 74%. A folha de pagamento está controlada, 70% do
orçamento é de receitas próprias.
Quanto tempo a esquerda demora para voltar ao
poder no Brasil, se é que volta?
A tendência é que também aqui direita e extrema direita sejam o
polo das próximas disputas. O desafio da esquerda é maior do que nunca. A gente
nunca conviveu com uma situação tão adversa.
Qual é o futuro do PT?
A chance de o PT manter a hegemonia na esquerda é difícil. Embora,
mesmo muito machucado, ele ainda seja maior do que quase a soma de todos os
outros [partidos de esquerda] reunidos. Vamos ver o que ocorre até 2018, em
torno da candidatura do Ciro Gomes (PDT-CE), se o Lula vai ser impedido de
disputar.
E o senhor? Pode disputar [a Presidência] em
2018?
Eu não estou pensando em eleição agora.
Poderia tentar de novo a Prefeitura? Ou sair a
deputado, a senador?
É difícil passar pelo mesmo lugar que eu já passei. E não me vejo
no Legislativo. Vamos ver o que o destino me reserva. Agora estou empenhado em
organizar a minha vida pessoal. Depois de 16 anos em vários governos, me
descapitalizei completamente. Mas a vida inteira eu participei de política e só
a partir de 2001 em cargos públicos. Vou continuar a participar do debate
nacional, vou voltar, por exemplo, a escrever.
FONTE: Aqui
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