O jogo norte-americano de cartas marcadas entre os ricos
O
jogo norte-americano de cartas marcadas entre os ricos
Nicholas Kristof
New York Times - 19/02/2016
12.fev.2016 - O senador
Bernie Sanders e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton cumprimentam a
plateia antes de mais um debate entre os pré-candidatos democratas à eleição
presidencial dos Estados Unidos, marcada para novembro de 2016
É um tanto bizarro que nesta temporada
política estejamos vendo candidatos ricos de ambos os partidos condenando nosso
sistema político por representar principalmente os interesses, bem, dos ricos.
Bizarro, talvez, e às vezes um tanto
hipócrita, mas também correto. O sistema político norte-americano é manipulado.
As cartas são marcadas em prejuízo às pessoas comuns. Essa é a frustração que
tem alimentado, de formas diferentes, as campanhas anti-establishment de Donald
Trump, Ted Cruz e Bernie Sanders em particular, e que está levando outros
candidatos, como Hillary Clinton, a também pegarem suas forquilhas.
"Sim, a economia está manipulada para
favorecer aqueles que estão no topo", declarou Hillary no debate democrata
da semana passada.
Um vislumbre da injustiça estrutural nos
Estados Unidos é este: um garoto rico burro agora tem uma probabilidade muito
maior de se formar na faculdade do que um garoto pobre inteligente, segundo
Robert Putnam, da Universidade de Harvard.
Outro: os 20 norte-americanos mais ricos,
um grupo que caberia confortavelmente dentro de um jato de luxo com destino a
uma ilha particular no Caribe, possuem riqueza superior à de metade da
população norte-americana mais pobre somada, segundo um levantamento recente do
Instituto para o Estudo de Políticas.
Os 100 mais ricos da revista
"Forbes" possuem riqueza equivalente à de todos os 42 milhões de
afro-americanos somados, diz o levantamento.
"Corretamente, suspeitamos que o
sistema esteja manipulado, que nosso governo se tornou movido a moeda e que
fomos deixados de lado", escreveram Wendell Potter e Nick Penniman em seu
novo livro esclarecedor sobre dinheiro na política, "Nation on the
Take" (algo como Nação Comprada, em tradução livre, não lançado no
Brasil). Eles pedem por uma "correção de curso profunda", como as
realizadas periodicamente pelos Estados Unidos no passado.
Logo, é saudável o fato de os eleitores
norte-americanos estarem exigindo mudanças. Mas quando as sociedades enfrentam
dor econômica, às vezes elas recorrem a reformas, outras vezes a bodes
expiatórios (como os refugiados neste ano). Assim, a pergunta histórica para
2016 é em que direção acabará seguindo a revolta popular entre os eleitores
norte-americanos.
Um presidente Trump ou um presidente Cruz
ergueria muros e torturaria suspeitos de terrorismo; uma presidente
Hillary Clinton ou presidente Sanders aumentaria o salário mínimo e investiria
nas crianças sob risco.
Parece-me mais sensato buscar soluções do
que bodes expiatórios, mas sensatez com frequência é escassa na política. Após
um discurso caracteristicamente brilhante por Adlai Stevenson, o candidato
democrata à presidência em 1952 e 1956, um simpatizante teria gritado:
"Todo norte-americano pensante votará em você!"
Diz a lenda que Stevenson respondeu:
"Isso não basta. Eu preciso da maioria!"
No domínio das soluções, um ponto de
partida seria reduzir a influência do dinheiro na política.
A indústria farmacêutica, por exemplo, tem
usado seu lobby de peso –ela gastou US$ 272 mil em doações de campanha por
membro do Congresso no ano passado e conta com um número maior de lobistas que
o número existente de legisladores– para impedir o governo de negociar os
preços dos medicamentos para o Medicare (o seguro-saúde público para idosos e
inválidos). Isso representa um presente anual de US$ 50 bilhões para os
laboratórios farmacêuticos.
O aumento da desigualdade tem raízes
complexas e algumas não podem ser facilmente resolvidas. Por exemplo, o
empoderamento da mulher somado à tendência de as pessoas se casarem com pessoas
semelhantes a elas faz com que os homens de alta renda cada vez mais se casem
com mulheres de alta renda, formando famílias de renda superalta.
Igualmente, muitos norte-americanos são
ricos em parte por trabalharem arduamente, economizarem de forma constante e
investirem com brilhantismo. Isso deve ser celebrado, mas tudo isso ocorre em
um campo inclinado que também afeta as rendas e os valores sociais.
Paul Piff, psicólogo social, realizou
experimentos no qual partidas de Monopoly (ou Banco Imobiliário) são
manipuladas de forma que um jogador comece com mais dinheiro e esteja quase
predestinado a vencer. Como foi revelado, o jogador rico passa a mandar nos
outros e até mesmo pega mais salgadinhos da tigela comunal.
Neste período eleitoral, muitos
norte-americanos sentem que estão vivendo nessa partida manipulada de Monopoly.
Professores de administração e negócios,
Michael Norton e Dan Ariely mostraram às pessoas gráficos de distribuição
de riqueza da igualitária Suécia e dos altamente desiguais Estados Unidos,
perguntando a elas em que tipo de sociedade prefeririam viver, sem dizer que
país cada gráfico representava. Cerca de 92% dos norte-americanos escolheram a
distribuição da Suécia.
Igualmente, o grande filósofo John Rawls
desenvolveu um experimento mental para julgar a justiça de uma sociedade:
imagine que você será colocado em uma sociedade, mas sem saber sua posição
nela. Você não sabe se será rico ou pobre, inteligente ou burro, negro ou
branco, homem ou mulher. Nesse caso, muitos de nós também acabariam optando
pela Suécia, em vez de correrem o risco de acabarem no CEP errado nos Estados
Unidos de hoje.
Logo, os eleitores norte-americanos estão
certos em se sentirem furiosos. Mas o desafio não é apenas diagnosticar o
problema, mas também prescrever as soluções certas e conseguir implantá-las
neste ambiente político.
Que a insurreição ganhe força, mas seja
canalizada não na punição de bodes expiatórios, mas na adoção de reformas que
façam o sistema funcionar melhor para os norte-americanos comuns.
FONTE: Aqui
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