terça-feira, 11 de abril de 2017

"Sobre as mulheres" - Casimiro de Brito

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Sobre as mulheres

Amo o poder secreto das mulheres. E quanto mais anos tenho mais próximo me sinto da sua essência: só me interessa o amor, e dizê-lo: o amor ancorado na liberdade, na libertinagem, e que seja nos dois sentidos. Por mim estou sempre próximo desse amor, desse estado de imersão na atracção fatal, no perfume da morte. O tempo ensinou-me a adorar cada vez mais a Mulher, as mulheres, o que tem a ver com o reconhecimento de que, mais do que complementares, me são — as grandes mulheres — superiores; e depois porque a prática da vida me levou a descrer de quase tudo o resto. Voltemos à atracção: não me atraem naturalmente todas as mulheres, pelo contrário, sou muito exigente nas minhas escolhas e aquiescente nas escolhas que de mim elas têm feito. Que mulheres então me atraem? As que possuem o que nelas é natural: a beleza, a ternura e o entendimento. Sim, em todas estas qualidades elas são mais gloriosas do que nós. Vejamos a beleza: para mim, a beleza delas não tem nada a ver com a idade. A beleza delas tem mais a ver com o facto de serem medianeiras entre a terra e o céu, de possuírem uma ferida que sangra mesmo quando já não há sangue. Depois vem a ternura: elas são compassivas (no único sentido, aliás oriental — as mulheres são todas orientais! — que dou à palavra: aceitam o mundo, o que em muito se deve à sua aparente fragilidade, e nada me comove tanto como um ser frágil, uma folha, um menino acabado de nascer, um seio, uma mulher! E por fim vem o entendimento, a sua inteligência profunda que não tem nada a ver com a dos homens, superficial e cheia de cálculo: como se elas fossem inteligentes com o corpo todo e nós apenas com o cérebro e com os músculos — as classificações e a arte da caça. E há que reflectir sobre a caça, sobre a ambição, sobre a destruição: porque é aqui que reside a nossa maior fragilidade, a incapacidade de amar sem caçar, sem matar. E o caçador é sempre, em meu entender, um pobre caçado — e, precisamente, porque a vida é música e dança e o nosso estado de morte um equilíbrio perfeito com o nosso estado de vida, de inspiração/expiração. E fragilidade, quero dizer aceitação das coisas mínimas, compreensão dos jardins que, na sua mudança, são mais vulneráveis e puros. Em tudo isto a mulher é melhor do que eu, homem — e por isso me atraem e subjugam. Fazem de mim um ser feliz. E por isso também eu sou um pouco feminino, um eterno apaixonado ou alguém que vive em estado de aproximação da paixão, seja ela fatal, ou nem tanto. Mas o que parece simples (“encontra uma mulher e tens o caso resolvido”) não é. Porque só a mulher completa possui esses três atributos: a beleza, a ternura e o entendimento. E, sendo certo que elas são quase todas completas, dispõem ainda de mais um atributo, a sua maior capacidade para escolher: pois são elas quem nos escolhe, ou, pelo menos, são elas quem procura instintivamente, irmãs que são da natureza, o sopro que lhes falta. A mulher que amo, ou vou amar, tem de ser mãe e filha, água e terra, música e silêncio, e ainda não sei onde está ou se existe. Vou procurando.

Casimiro de Brito 

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