quinta-feira, 26 de maio de 2016

Jornalista ataca crença de que a sociedade é meritocrática

James Bloodworth; ele ataca as crenças da sociedade sobre a meritocracia


ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

DE NOVA YORK


21/05/2016 

Em quatro mensagens no Twitter, James Bloodworth, 33, explicou por que declinou convite para um artigo sobre seu novo livro, "O Mito da Meritocracia".
1) "Acabei de escrever sobre a dificuldade que jovens da classe trabalhadora têm em se dar bem em suas profissões por causa da proliferação do trabalho não remunerado".
2) "O [site] Huffington Post disse que parecia interessante. Me pediram para escrever algo".
3) "Infelizmente, não podiam me pagar –apesar de serem uma companhia multimilionária".
4) "Então, eis meu artigo: você faz parte do problema, Huffington. Fim".
O britânico é menos lacônico nas 144 páginas da obra nas quais põe sob escrutínio a meritocracia –a "falsa ideia" de que, se você for bom e trabalhar duro, terá sua chance.
Na Inglaterra, jovens ricos continuarão pegando os melhores trabalhos, e não só por terem acesso às melhores universidades. São também os mais propensos a aceitar trabalhar de graça no início da carreira, praxe em grandes companhias que, em troca, prometem "projeção". Em miúdos: "Você devia é agradecer, isso fará um bem danado para seu currículo".
"Nos últimos anos, cresceu a 'cultura do estágio'. Um diploma universitário não basta mais."
A tendência em áreas como publicidade, design e jornalismo fez da Inglaterra "a capital do trabalho não pago na Europa", diz o autor à Folha.
Mas a conta não fecha para todos. "Você não pode, afinal, aguentar seis meses sem salário se tem contas a pagar. É exploração, simples assim."
QUANDO CRESCER
"O que você quer ser quando crescer?", perguntou-lhe um orientador vocacional.
Aos 15, Bloodworth não fazia ideia –e "beber cerveja e caçar garotas" não parecia a resposta ortodoxa.
Em 2014, escreveu no jornal "The Independent" sobre "por que insistimos nessa pergunta no momento em que a criança veste seu primeiro uniforme".
Com isso, ela cresce com a falsa impressão de que pode ser médica, astronauta ou domadora de leões, se assim o quiser.
No livro, ele fala de uma "distopia meritocrática", comparando-a "à pessoa na fila para comprar o tíquete da loteria preocupada em como gastará o prêmio".
PAIS E FILHOS
Filho da classe média ("a pequena burguesia, como marxistas diriam"), acha que ganhou seu bilhete premiado: a avó bancou sua universidade.
Relatório de 2012 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostra que a Inglaterra é um dos países desenvolvidos onde os filhos mais provavelmente refletirão o desempenho econômico dos pais.
A educação, "motor da mobilidade social", é uma fraqueza. Dos 20% mais pobres, 46% das mães não têm nenhuma qualificação. Entre os 20% mais ricos, 3%.
Outra amostra: 54% dos cem maiores executivos e 70% dos juízes de altas cortes cursaram universidade privada; a média da população é 7%.
"Mesmo o entretenimento é dominado por 'filhinhos de papai: 42% dos vencedores do Bafta [o Oscar britânico] estudaram em escolas particulares", afirma Bloodworth.
A meritocracia é uma palavra sedutora para um país que ainda preserva sua monarquia e que há não muito tinha uma aristocracia hoje confinada à "Downton Abbey" da TV.
O escritor Martin Amis lançou em 1984 o aclamado "Grana", sátira aos excessos da era Margaret Thatcher.
Argumentou 30 anos depois, em documentário da BBC, que a sociedade aristocrática foi substituída por outra, a monetária. "Sempre foi assim nos EUA, e agora na Inglaterra também."
Enviar seu filho para a Eton College, escola para garotos fundada em 1440 pelo rei da Inglaterra, não depende mais de um título de nobreza: agora é um "exercício do poder do dinheiro", segundo Amis.
Para Bloodworth, é aí que a meritocracia derrapa. "Duas crianças. Os pais de uma são milionários, os da outra ganham salário mínimo. Elas de cara não terão chances iguais na vida."
Ex-editor do site progressista Left Foot Forward e colunista do "International Business Times", ele chegou a escrever de graça para o Huffington Post.
Decidiu criticar o site "pela ironia" de lhe negarem pagamento por um artigo sobre o dano causado pelo trabalho gratuito.
A Folha procurou o Huffington Post para comentar, sem sucesso.
"Estamos sempre com medo, como jornalistas ou em outra profissão qualquer, de reclamar publicamente dessas propostas. É assustador porque você acha que será visto como encrenqueiro e perderá trabalho."
Eis sua "lição de casa": "É importante cortar esse papo furado sobre 'ganhar exposição' e apenas dizer não".

The Myth of Meritocracy
AUTOR James Bloodworth
EDITORA Biteback Publishing
QUANTO US$ 6 na amazon.com (144 págs.) 


FONTE: Aqui

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