Calhou–nos um tempo difícil, aparentemente privado de convicções ou certezas, órfão de grandes narrativas, carente de referências axiológicas e terrivelmente ameaçado por fatores de perturbação, incerteza, insegurança e imprevisibilidade associados ao progresso científico, à revolução tecnológica, à complexificação de modo de vida e à recorrência de acontecimentos violentos que ensombram qualquer esperança de felicidade ou bem estar.
Face ao anunciado desmoronamento das bases teóricas, filosóficas, ideológicas, políticas e religiosas que, durante séculos, sustentaram as nossas posições, onde poderemos ir agora procurar o fundamento racional para valores humanos nucleares como o bem, a felicidade, a verdade, a paz, a justiça ou a solidariedade? É possível, ou legítimo, ambicionar a concentração de valores num mundo ‘’polifônico’’ como este em que vivemos? O que mudou realmente no universo das nossas escolhas morais? Que princípios devem estruturar hoje o espaço da ação humana? Como equacionar o futuro de um presente tão incerto, vulnerável e violento? Que novos e instigantes desafios se vislumbram no campo do saber?
As palavras de Nóvoa que servem de epígrafe ao nosso blog fazem todo o sentido. Com efeito, a contemporaneidade apresenta-se com mudanças em todos os campos do nosso viver, particularmente as que ocorrem no campo do conhecimento. Elas são de tal magnitude que exigem um profundo empenhamento das ciências, da filosofia e das artes. Cada vez mais se torna difícil continuar a operar por meio de parcelas da realidade, seguindo a lógica tradicional das disciplinas enclausuradas no seu próprio espaço. O desafio a instaurar prende-se, pois, com uma perspectiva transdisciplinar, que seja capaz de romper as fronteiras do saber, do pensar e do viver contemporâneo.
Estas inquietações levaram um grupo de alunos, junto com o professor que ministra a disciplina “Tópicos Especiais em Educação: Fronteiras do Pensamento”, do Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais, a procurar ampliar as discussões para além do espaço da sala de aula. Este blog resultou, pois, dessa necessidade e pretende-se que nele sejam apresentados textos dos próprios alunos e de outros autores, entrevistas, vídeos, etc., por forma a tornar-se um espaço de reflexão e discussão sobre o mundo contemporâneo.
Procurar-se-á estabelecer um diálogo frutuoso com a Educação, lançando mão de temas desafiadores e instigantes nos campos das ciências sociais e das artes. Nessa perspectiva, o ponto de partida foram as leituras e discussões de renomados cientistas, artistas e grandes intelectuais da atualidade que se destacam pela ousadia de pensar a contemporaneidade.
Pretende-se o estabelecimento de enfoques dialógicos e, porque não - quando a necessidade assim o exigir - o desencadeamento de “enfrentamentos” ao lugar comum, ao definitivamente aceite, visando fazer emergir novas e estimulantes perspectivas de olhar o mundo em facetas até então ignoradas ou obscurecidas pelo pensamento hegemônico. Estabelecer e fomentar tais diálogos implica direcionar nosso olhar para uma perspectiva de fronteira, na qual nosso posicionamento no mundo se faça de modo mais aberto.
Podemos imaginar a fronteira como o traço que separa imagem de si e imagem do outro, permitindo o autorreconhecimento e a construção do sentimento daquilo que é comum e daquilo que não é; a fronteira é a linha que demarca o que é idêntico, limitando um conjunto de valores e crenças. É também o lugar de transição para o diferente, sugerindo tramas narrativas e afetivas em que o movimento entre a imagem de si e do outro (cultural, nacional) é bem demarcada, estando elas confinadas a uma referência estável, homogênea.
Muitas são as denominações utilizadas para tratar do espaço que contém relações multiculturais, de elementos diferentes que, ao entrarem em contato, se misturam e configuram novas particularidades - é o espaço onde o hibridismo se faz presente.
O grande desafio da atualidade, mais do que em outros períodos, é o de enfrentar uma cultura em movimento. Um caminho do meio consiste nesses procedimentos de deslocamento, de nomadismo, em que a identidade possa nascer da tensão entre o apelo do enraizamento e a tentação da errância, um caminho do meio para superar o fundamento encerrado pela questão identitária: afirmar-se e excluir o outro.
Antes de conterem limites, marcos físicos ou naturais, as fronteiras são, sobretudo, o produto da capacidade imaginária de reconfigurar a realidade, a partir de um mundo paralelo de sinais que guiam o olhar e a apreciação, por intermédio dos quais os homens e as mulheres percebem e qualificam a si mesmos, o corpo social, o espaço e o próprio tempo. Assim, as fronteiras apresentam-se porosas, permeáveis, flexíveis, deslocam-se ou são deslocadas.
Se há dificuldade em pensá-las, em apreendê-las, é porque aparecem tanto reais como imaginárias, intransponíveis e escamoteáveis. Estudá-las é a difícil e desafiadora tarefa que nos propomos, procurando entender, ainda que minimamente, o sentimento de inacabamento, a ilusão nascida da incapacidade de conceber o “entre-dois mundos”, a complexidade deste estado/espaço e desta temporalidade.
O ponto de partida desta jornada centrou-se nas obras dos seguintes autores:
Michel Onfray. A Contra-História da Filosofia. São Paulo: WMF, Martins Fontes, 2008;
Richard Dawkins. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007;
Jack Goody. O roubo da história: como os europeus se apropriaram das ideias se invenções do Oriente. São Paulo: Contexto, 2008;
Domenico Losurdo. A linguagem do Império: léxico da ideologia estadunidense. São Paulo: Boitempo, 2010;
Zygmunt Bauman. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998;
Boaventura de Sousa Santos, & Maria Paula Meneses, (orgs.). Epistemologias do sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009;
Alain Bergala. A Hipótese Cinema. Pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink - CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.
As reflexões do grupo iniciaram-se com a Contra-História da Filosofia e prosseguiram com outras contra-histórias, por forma a demarcarem-se, sem meios tons, o que se está propondo: andar na contra mão de uma produção que se tem configurado como hegemônica pelo pensamento eurocêntrico, procurando desnaturalizar o que está naturalizado. Pretende-se que essas novas matrizes apresentadas por inúmeros pensadores (não apenas do Norte, mas também do Sul), possibilitem pensar, compreender e dialogar com o mundo, em novas perspectivas. Como afirma Bauman em “Modernidade e Holocausto” (citando Wittgenstein, p. 238): "não podemos dizer a não ser o que pode ser dito”. A maior aproximação possível deste posicionamento deverá ser, atentamente, um objetivo a perseguir.
Boaventura de Sousa Santos estimula seus leitores quando conclama a dar o salto qualitativo que lhes permita criar uma racionalidade permeada pela solidariedade, igualdade na diversidade, justiça distributiva, respeito ao planeta, mas que, sobretudo, não sejam palavras que percorram corredores únicos, privilegiados, pois esses lugares não foram capazes de construírem essa possibilidade. Sensocomunizar o pensamento chamado de científico, não aquele produzido para espoliar, aniquilar, talvez seja o grande paradigma a provocar questionamentos. O resultado de vivermos em um mundo tão caótico, desumanizado não nos parece ser resultado apenas de transformações históricas, de causas estruturais, embora as consideremos explicações necessárias para entendermos tais fenômenos. Faz-se necessário desafiar os “papas” do conhecimento, procurando ter em atenção a invocação de Bauman a respeito da moralidade como uma dimensão fundamental não apenas no holocausto, mas em todas as dimensões do viver. Por essa via se abre uma brecha formidável para compor o corpo das explicações das ações humanas dentro das ciências sociais. Pretende-se que as reflexões do grupo se orientem, precipuamente, numa perspectiva dialógica, alicerçada no desejo de abrir fronteiras de modo a permitir o entrelaçamento, o plantio de novas sementes no campo do saber.
Professor Doutor José de Sousa Miguel Lopes
Bruno Teixeira Paes
Emiliana Maria Diniz Marques
Fábio Machado Ruza
Jalmelice da Luz Ferreira
Maria Efigênia de Souza Lima
Ângela Maria Dias Nogueira Souza
Maria Cristina Rodrigues Gomes
Rosângela Guerra de Andrade
Após 3 meses de funciona\mento, o grupo de alunos, teve de deixar o blog, em função da intensificação das atividade acadêmicas, pelo que apenas José de Sousa Miguel Lopes ficou a gerir o blog.