"Não sei como dizer-te ..." - Herberto Helder
Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando
sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando
longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento
chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo
ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam
a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem
ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia
arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu
turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha
solidão
como se toda a casa ardesse pousada
na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão
jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas
espantadas
que às vezes se despenham no meio do
tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o
leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de
razão,
mas quando a sombra cai da curva
sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave —
qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem
milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a
mãe,
o amor,
que te procuram.
Herberto Helder
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