terça-feira, 18 de outubro de 2022

"Amar!" - Carlos Drumond de Andrade

 



Amar!

 

 

 



Que pode uma criatura senão,


entre criaturas, amar?


amar e esquecer,


amar e malamar,


amar, desamar, amar?


sempre, e até de olhos vidrados, amar?




Que pode, pergunto, o ser amoroso,


sozinho, em rotação universal, senão


rodar também, e amar?


amar o que o mar traz à praia,


e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,


é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?




Amar solenemente as palmas do deserto,


o que é entrega ou adoração expectante,


e amar o inóspito, o áspero,


um vaso sem flor, um chão de ferro,


e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.




Este o nosso destino: amor sem conta,


distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,


doação ilimitada a uma completa ingratidão,


e na concha vazia do amor a procura medrosa,


paciente, de mais e mais amor.




Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa


amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

 

 



Carlos Drumond de Andrade



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