Artistas voltam a se reunir para cantar o mais famoso jingle da história brasileira
Senhores
militares,
Neste
fim de semana, vocês poderão definir o destino da democracia no Brasil. E,
portanto, de milhões de brasileiros. Vimos, nos últimos dias, como a campanha
de Jair Bolsonaro tentou tumultuar o processo
eleitoral no país, bombardeou a sociedade com desinformação e intensificou o
ódio.
Alguns
de seus porta-vozes chegaram a falar sobre a possibilidade de adiar o segundo
turno, o que na prática seria um golpe. Quem tem a ousadia de defender essa
tese desconhece que seria necessário mudar o artigo 77 da Constituição Federal.
Contudo, uma das características desses golpistas é desprezar a ordem
constitucional. Sem usar subterfúgio, é outra tentativa de romper com a
institucionalidade democrática.
Por
mais que ocupem os microfones de rádios amigas ou façam circular a ideia nas
redes sociais, tais forças autoritárias sabem que essa fraude apenas pode
prosperar se contar com a disposição, ajuda logística e manobra dos senhores.
Portanto,
qualquer adesão a esse movimento não fará vocês cúmplices de um ataque contra a
democracia. Mas protagonistas de um pesadelo. Clemenceau teria dito que a
guerra é um assunto sério demais para ser deixado aos generais. Imaginem,
então, o sonho democrático.
É
fundamental saber que não existe golpe dentro das normas constitucionais. Todo
golpe é contra a Constituição e o povo. A recente tentativa do presidente da
República de fazer uma subleitura vulgar do artigo 142 da Constituição, querendo
dar às Forças Armadas o papel de tutoras da nação, foi rechaçada com veemência
pela sociedade e, honra se faça, pelas próprias forças armadas.
Certamente
não é de hoje que se debate o papel dos militares numa democracia. Platão já
fazia isso. Por séculos, era o exército que determinava a fonte de poder de um
soberano. Mas, ironicamente, sua ameaça.
Uma
vez estabelecida uma democracia, uma das mágicas nas entrelinhas das leis é a
de proteger o estado de políticos com ambições militares. E, claro, de generais
com ambições políticas.
Em
países onde houve uma transição entre ditaduras e regimes democráticos, foi o
fortalecimento de normas que definem o papel das forças armadas que conseguiu
desmontar eventuais pretextos e gatilhos para que militares justificassem uma
tomada do poder. E, cumpre deixar claro, a transição no Brasil se deu com muito
conforto para as forças armadas. Para alguns, com um exagerado conforto.
Ao
longo do século 20, vimos como forças armadas de alguns dos governos mais
sanguinários da história conseguiram promover uma dolorosa transição e reforma
em direção a valores democráticos. Talvez um dos grandes exemplos tenha sido na
Alemanha, com a democratização da missão do Bundeswehr.
Em
alguns locais, os soldados podem ter amplos direitos políticos. Em outros, como
na Espanha pós-franquista, militares não podem sequer se filiar a um partido, o
que seria considerado já um ato político.
Mas
há um consenso: nenhuma democracia pode de fato se qualificar como consolidada
até que as forças armadas daquele país estejam verdadeiramente sob um controle
democrático.
As
insinuações de ruptura institucional por parte do comandante em chefe têm que
ter o repúdio não só da sociedade civil, mas especialmente das Forças Armadas.
A Constituição que nos rege é uma só e todos devemos obediência a ela.
Não
se trata apenas de um "controle civil" sobre as forças armadas.
Afinal, os senhores e nós sabemos que uma ditadura pode muito bem ter, em seu
posto de suposto comando, um fantoche civil para camuflar quem, de fato, mantém
as rédeas de um país.
Senhores,
A
democracia vai muito além do voto, da urna e das instituições. Na base, ela é
um pacto pelo qual aceitamos a tolerância e a confiança como registros de uma
convivência. Uma espécie de cultura que prevê a derrota, que considera a
oposição como legítima e necessária.
Um
sistema onde o vitorioso se compromete a defender aqueles que não votaram por
ele e aplicar políticas que melhorem suas vidas, da forma que eles queiram
vivê-las.
Um
golpe, portanto, não é apenas uma manobra com impacto político. Mas um tsunami
nas regras que regem hoje a sociedade brasileira. A abertura de um processo
perigoso de retirada de direitos, de esperança e de sonhos. A instauração do
medo permanente, da desconfiança e da vitória do ódio em nosso cotidiano.
Na
realidade, qualquer golpe é contra a dignidade das Forças Armadas, que deve
fazer cumprir a Constituição, mesmo e principalmente, contra quem detém o poder
e ousa usurpá-lo.
Portanto,
escrevemos essa carta para fazer um apelo direto: não ousem respaldar um golpe.
O
país precisa dos senhores, mas justamente dentro do mandato que o pacto da
sociedade estabeleceu. Assumam a democracia como a maior arma que a nação
brasileira pode ter. Qualquer tentativa de ruptura constitucional deve unir a
sociedade e as forças armadas no absoluto respeito à constituição da república.
A
história será implacável e não poupará nenhum dos senhores caso optem por outro
caminho.
Saudações
democráticas,
Jamil
Chade e Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
Fonte:
UOL, 29/10/2022
0 comentários:
Postar um comentário