domingo, 27 de junho de 2021

"Tríptico" - Herberto Helder

 




Tríptico

 


Não sei como dizer-te que minha voz te procura


e a atenção começa a florir, quando sucede a noite


esplêndida e vasta.


Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos


se enchem de um brilho precioso


e estremeces como um pensamento chegado. Quando,


iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado


pelo pressentir de um tempo distante,


e na terra crescida os homens entoam a vindima


— eu não sei como dizer-te que cem ideias,


dentro de mim, te procuram.




Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros


ao lado do espaço


e o coração é uma semente inventada


em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,


tu arrebatas os caminhos da minha solidão


como se toda a casa ardesse pousada na noite.


— E então não sei o que dizer


junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.


Quando as crianças acordam nas luas espantadas


que às vezes se despenham no meio do tempo


— não sei como dizer-te que a pureza,


dentro de mim, te procura.




Durante a primavera inteira aprendo


os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstrato


correr do espaço —


e penso que vou dizer algo cheio de razão,


mas quando a sombra cai da curva sôfrega


dos meus lábios, sinto que me faltam


um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer


coisa extraordinária.


Porque não sei como dizer-te sem milagres


que dentro de mim é o sol, o fruto,


a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,


o amor,




que te procuram.



 

Herberto Helder



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