sábado, 26 de junho de 2021

"Lunático" - João Guimarães Rosa

 




Lunático



Vou abrir minha janela sobre a noite.


E já bem noite, a lua,


alta a um terço do seu arco,


terá de deslizar pelo meu quarto adentro,


e passear sobre o meu rosto, adormecido e lívido,


quando eu sair a sonhar pelas estradas noturnas,


sem fim, sem marcos, nem encruzilhadas,


que levam à região dos desabrigos…


Sonharei com mares muito brancos,


de águas finas, como um ar dos cimos,


onde o meu corpo sobrenada solto,


por entre nelumbos que passam boiando…


Ouvirei a rainha do País do Suave Sonho,


cantando no alto sempre o mesmo canto,


como a sereia do sempre mais alto…


E a janela se fecha, prendendo aqui dentro


o raio suave que prendia a lua…


Para que eu soçobre no mar dos nenúfares grandes,


onde remoinham as formas inacabadas,


onde vêm morrer as almas, afogadas,


e onde os deuses se olham como num espelho.



João Guimarães Rosa




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