domingo, 12 de janeiro de 2014

"Cores do parto" - Mia Couto

Cores do parto

 

O que eu vi,

à nascença, foi o céu.

No rasgão da retina,

a desatada luz: o meu segundo oceano.

Aprendi a ser cego

antes de, em linha e cor,

o mundo se revelar.

O que depois vi,

ainda sem saber que via,

foram as mãos.

Parteiros gestos

me ensinaram quanto,

das mãos,

a vida inteira vamos nascendo.

As mãos foram,

assim, o meu segundo ventre.

Luz e mãos

moldaram a impossível fronteira

entre oceano e ventre.

Luz e mãos

me consolaram

da incurável solidão de ter nascido.

 

Mia Couto

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