quarta-feira, 30 de novembro de 2022

"O apanhador de desperdícios" - Manoel de Barros

 








Uso a palavra para compor meus silêncios.


Não gosto das palavras


fatigadas de informar.


Dou mais respeito


às que vivem de barriga no chão


tipo água pedra sapo.


Entendo bem o sotaque das águas


Dou respeito às coisas desimportantes


e aos seres desimportantes.


Prezo insetos mais que aviões.


Prezo a velocidade


das tartarugas mais que a dos mísseis.


Tenho em mim um atraso de nascença.


Eu fui aparelhado


para gostar de passarinhos.


Tenho abundância de ser feliz por isso.


Meu quintal é maior do que o mundo.


Sou um apanhador de desperdícios:


Amo os restos


como as boas moscas.


Queria que a minha voz tivesse um formato


de canto.


Porque eu não sou da informática:


eu sou da invencionática.


Só uso a palavra para compor meus silêncios.




Manoel de Barros



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