sábado, 9 de julho de 2022

"Minha cabeça estremece" - Herberto Helder

 




Minha cabeça estremece

 

 



Minha cabeça estremece com todo o esquecimento


Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.


Falo, penso.


Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.


É sempre outra coisa, uma


só coisa coberta de nomes.


E a morte passa de boca em boca


com a leve saliva,


com o terror que há sempre


no fundo informulado de uma vida.


Sei que os campos imaginam as suas


próprias rosas.


As pessoas imaginam os seus próprios campos


de rosas. E às vezes estou na frente dos campos


como se morresse;


outras, como se agora somente


eu pudesse acordar.


Por vezes tudo se ilumina.


Por vezes canta e sangra.


Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.


Que a loucura tem espinhos como uma garganta.


Eu digo: roda ao longe o outono,


e o que é o outono?


As pálpebras batem contra o grande dia masculino


do pensamento.


Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.


Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

 

 

 



Herberto Helder


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