"Minha cabeça estremece" - Herberto Helder
Minha cabeça estremece
Minha cabeça estremece com todo o
esquecimento
Eu procuro dizer como tudo é outra
coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos
pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios
campos
de rosas. E às vezes estou na frente
dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no
tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma
garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande
dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no
espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara
de tochas.
Herberto Helder
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