terça-feira, 4 de maio de 2021

"A defesa do poeta" - Natália Correia



 



A defesa do poeta



 

 

Senhores juízes sou um poeta


um multipétalo uivo um defeito


e ando com uma camisa de vento


ao contrário do esqueleto.




Sou um vestíbulo do impossível um lápis


de armazenado espanto e por fim


com a paciência dos versos


espero viver dentro de mim.




Sou em código o azul de todos


(curtido couro de cicatrizes)


uma avaria cantante


na maquineta dos felizes.




Senhores banqueiros sois a cidade


o vosso enfarte serei


não há cidade sem o parque


do sono que vos roubei.




Senhores professores que pusestes


a prémio minha rara edição


de raptar-me em crianças que salvo


do incêndio da vossa lição.




Senhores tiranos que do baralho


de em pó volverdes sois os reis


dou um poeta jogo-me aos dados


ganho as paisagens que não vereis.




Senhores heróis até aos dentes


puro exercício de ninguém


minha cobardia é esperar-vos


umas estrofes mais além.




Senhores três quatro cinco e sete


que medo vos pôs em ordem?


que pavor fechou o leque


da vossa diferença enquanto homem?




Senhores juízes que não molhais


a pena na tinta da natureza


não apedrejeis meu pássaro


sem que ele cante minha defesa.




Sou um instantâneo das coisas


apanhadas em delito de paixão


a raiz quadrada da flor


que espalmais em apertos de mão.




Sou uma impudência a mesa posta


de um verso onde o possa escrever.


Ó subalimentados do sonho!




A poesia é para comer.



 

Natália Correia


Divulgando o último livro do autor do blog Aqui

0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP