sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

"O ameaçado" - Jorge Luís Borges


 


O ameaçado

 

É o amor. Terei de me esconder, ou fugir.


Crescem os muros da sua prisão, como num sonho atroz.


A máscara   formosa alterou-se, mas é única, como sempre.


De que me servirão os meus talismãs:


o exercício das letras,


a vaga erudição, a aprendizagem das palavras que usou o áspero Norte


para cantar os seus mares e as suas espadas,


a amizade serena,


as galerias da Biblioteca,


as coisas vulgares,


os hábitos,

o amor juvenil da minha mãe,


a sombra militar dos meus mortos,


a noite intemporal, o sabor do sono?


Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.


Já o cântaro se quebra na fonte,


já o homem entoa a voz da ave,


já o escuro desceu sobre os que estão à janela,


mas a sombra não trouxe a paz.


É, bem sei, o amor:


a ansiedade e o alívio de ouvir a tua voz,


a espera e a memória,


o horror de viver no sucessivo.


É o amor com as suas mitologias,


com as suas pequenas magias inúteis.


Há uma esquina que não me atrevo a dobrar.


Já os exércitos me cercam, as hordas.


(Este aposento é irreal; ela não o viu).


O nome de uma mulher denuncia-me.



Sangro uma mulher por todo o corpo.




Jorge Luís Borges



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