quarta-feira, 25 de outubro de 2023

"Rio preto, corpo hídrico" - Thiago Iraporanga

 



Rio preto, corpo hídrico

 




Tu que me escutas


saiba que estou aqui antes de ti


Com meu corpo


Alimentei gerações


Transformei o deserto


em suas bocas sedentas


num manancial de alívio


Lavei as roupas de seus antepassados


Conheço cada detalhe


das anáguas de suas bisavós


Brinquei com todos os seres


Que vinham me visitar


Ensinei as primeiras braçadas


Com os movimentos das minhas águas


Que são os músculos de meu corpo


Conduzi os peixes que nasciam em mim


Para águas mais profundas


Presenciei casais apaixonados,


Que celebravam a vida e o amor,


Nas minhas margens,


Isto quando não estavam comigo


Compartilhando a volúpia de seus desejos


Por algum tempo,


os diamantes de meu leito,


foram seu objeto de cobiça,


Apesar da violência com que


foram arrancados de mim,


Sei de suas necessidades,


Pois agora preciso que pare


Para escutar as minhas


O mundo tem mudado…


Meu corpo santo,


Que saciava os sedentos, alimentava os famintos,


Lavava os sujos, interagia com os amantes e


enriquecia os garimpeiros


tem se convertido


em uma hóstia profana,


Corpo imundo


Que o ciclo das águas,


Não consegue mais regenerar,


O mercúrio de sua cobiça,


Contaminou o meu corpo,


Tive meu leito,


Perfurado pelas dragas da ganância,


Os dejetos de suas pias e banheiros,


Foram lançadas sem piedade,


Sobre meu corpo


Os tóxicos lançados em suas plantas,


Não somente lhes matam,


Mas escorrem para mim,


Nessa espiral suicida e ignóbil,


Meu corpo definha…


Me reparto em mil braços,


Assoreados,


Este corpo começa a desaparecer,


Será que conseguiriam viver


sem as carnes de meu corpo hídrico?



Thiago Iraporanga


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