domingo, 4 de dezembro de 2022

"Poema de Sete Faces" - Carlos Drummond de Andrade

 




Poema de Sete Faces

 

 



Quando nasci, um anjo torto


Desses que vivem na sombra


Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida



As casas espiam os homens


Que correm atrás de mulheres


A tarde talvez fosse azul


Não houvesse tantos desejos



O bonde passa cheio de pernas


Pernas brancas, pretas, amarelas


Para que tanta perna, meu Deus? Pergunta meu coração


Porém, meus olhos


Não perguntam nada



O homem atrás do bigode


É sério, simples e forte


Quase não conversa


Tem poucos, raros amigos


O homem atrás dos óculos e do bigode



Meu Deus, por que me abandonaste?


Se sabias que eu não era Deus


Se sabias que eu era fraco



Mundo, mundo, vasto mundo


Se eu me chamasse Raimundo


Seria uma rima, não seria uma solução


Mundo, mundo, vasto mundo


Mais vasto é meu coração



Eu não devia te dizer


Mas essa Lua


Mas esse conhaque


Botam a gente comovido como o diabo



 

Carlos Drummond de Andrade



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