A esquerda tem boas respostas sobre a Ucrânia
Carta a Elon Musk: a
desinformação ameaça a democracia
Sr.
Elon Musk,
A
mentira mata, o ódio alimenta a violência e a desinformação ameaça a
democracia. Em todo o mundo, acompanhamos de perto o processo de aquisição do
Twitter pelo senhor. Confesso: como jornalista, como cidadão e como pai, estou
preocupado.
Escrevo
esta carta, portanto, com o objetivo de fazer um apelo para que o senhor tenha
a noção de que é proprietário de uma arma das mais poderosas da nossa geração.
Ela tem a capacidade de conectar as pessoas e criar um sentimento de
comunidade. Mas ela também pode ser o veículo de crimes atrozes.
O
senhor deve bem saber que, assim que a aquisição foi completada, houve uma
explosão de mensagens de ódio em sua nova rede social. Nas doze horas seguintes à compra de
US$ 44 bilhões, 4,7 mil mensagens de ódio foram publicadas a cada 60 minutos em
sua rede, mais de quatro vezes a taxa nas doze horas anteriores.
Enquanto isso, o uso
de expressões racistas saltou em 400%.
Uma
das teses é de que os usuários, diante de sua visão de mundo, consideraram que
agora já estavam autorizados a usar essa arma para fazer dano.
Chama
a atenção o fato de que o senhor jamais explicou exatamente quando disse que
queria uma plataforma "mais democrática" e que o "pássaro estava
livre" para voar. Tampouco ficou claro se o senhor entende o impacto de
suas palavras ao anunciar que sua posição é a de ser um "absolutista da
liberdade de expressão", ou que estava preocupado com o suposto excesso de
moderação por parte da equipe de sua nova empresa ao lidar com mensagens
criminosas.
Nos
dias que se seguiram à aquisição, fiquei em choque ao saber que o senhor
demitiu todos os membros do Conselho de Direitos Humanos da empresa. A equipe
trabalhava para proteger usuários ameaçados por violações de direitos humanos
em todo o mundo, incluindo ativistas e jornalistas.
O
senhor também desmontou a equipe que estava examinando a incorporação de
questões éticas na elaboração dos algoritmos e em inteligência artificial.
Tão
preocupante quanto essas medidas foi ler os aplausos de Donald Trump ao senhor, por conta da aquisição.
Ele garante estar "muito feliz por ver que o Twitter está em mãos
sãs". E ainda completou: "eu amo a verdade". Bom, sabemos que
até essa frase é mentirosa.
Escrevo,
obviamente, de uma perspectiva brasileira. De um país que conseguiu atravessar
uma eleição conturbada. Mas na qual ficou evidenciado que a desinformação é o grande desafio
da nossa democracia. Essa desinformação hackeou nosso pacto
social, criou realidades paralelas e autorizou uma parcela da população a
cometer crimes.
Não
se isente de sua responsabilidade a partir de agora na construção —ou
destruição— da democracia, em todo o mundo.
Se
há um projeto político autoritário por trás dessa ofensiva, que seja dado o
nome correto aos fatos: crime. Se há um projeto de ganância financeira, que também
seja dado o nome adequado: imoral.
Há
poucos dias, os mais altos representantes da ONU para direitos humanos enviaram
ao senhor uma outra carta. Mas me permita aqui repetir alguns dos pontos
principais da mensagem que lhe foi passada. Considero que, sem entender tais
pontos, as redes sociais jogarão a humanidade numa longa noite.
- 1.
Proteger a liberdade de expressão em todo o mundo. Isso
inclui defender os direitos à privacidade e à livre expressão na medida do
possível, sob as leis pertinentes, e a informar com transparência sobre os
pedidos do governo que infrinjam esses direitos.
- 2.
A liberdade de expressão não é um livre-trânsito. A
disseminação viral de desinformação prejudicial, como a verificada durante
a pandemia de covid-19 em relação às vacinas, resulta em danos no mundo
real. O Twitter tem a responsabilidade de evitar amplificar o conteúdo que
resulta em danos aos direitos de outras pessoas.
- 3.
Não há lugar para o ódio que incita a discriminação, hostilidade ou
violência no Twitter. A disseminação do discurso do
ódio nas mídias sociais tem tido consequências horríveis. As políticas de
moderação de conteúdo do Twitter devem continuar a barrar tal ódio na
plataforma. Todos os esforços devem ser feitos para remover tal conteúdo
prontamente. A lei de direitos humanos é clara: a liberdade de expressão
tem como limite o ódio que incita à discriminação, hostilidade ou
violência.
- 4.
A transparência é fundamental. A
pesquisa é essencial para compreender melhor o impacto das mídias sociais
em nossas sociedades. Solicita-se, portanto, que o senhor mantenha o
acesso aos dados do Twitter através de suas interfaces abertas de
programação de aplicativos.
- 5.
Proteger a privacidade. A liberdade de expressão
depende da proteção efetiva da privacidade. É vital que o Twitter se
abstenha de rastrear invasores e acumular dados relacionados e que
resista, na medida do possível, sob as leis aplicáveis, a pedidos
injustificados de dados de usuários por parte dos governos.
- 6.
Idiomas e experiência contextual não são opcionais. As
responsabilidades do Twitter de manter uma plataforma segura e
respeitadora dos direitos aplicam-se não apenas ao conteúdo em inglês, mas
globalmente.
Portanto,
senhor Musk, não assuma que existem liberdades absolutas. Para voar, o seu
pássaro não pode ter o direito de matar, de destruir ou de manipular
consciências e almas. Nossa civilização está numa encruzilhada e o senhor tem uma
responsabilidade do tamanho de seu patrimônio.
Saudações
democráticas
Jamil
Chade
Fonte:
UOL, 12/11/2022
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